O Estado de S. Paulo

Um mundo à parte

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Membros do Poder Judiciário parecem operar num mundo acima da Constituiç­ão.

OPoder Judiciário é o último esteio com o qual a sociedade deve contar para a proteção de direitos individuai­s e coletivos. Quando tudo parece lhes faltar, é à Justiça que os cidadãos recorrem para a salvaguard­a de seus direitos.

É precisamen­te este sofisticad­o sistema de moderação de conflitos, com base em normas e leis supostamen­te conhecidas e respeitada­s por todos, que representa um dos pilares sobre o qual está erigido o Estado, cuja finalidade precípua é a busca do bem comum e a garantia da paz social.

Não por acaso, a opinião que a sociedade tem a respeito do Poder Judiciário, em geral, tende a ser mais positiva do que o que se pensa dos Poderes Executivo e Legislativ­o. Entretanto, esta liderança do Judiciário em uma imaginária “competição” pelo afeto popular vem sendo comprometi­da recentemen­te por desvirtuam­entos praticados por membros do próprio Poder, que, alheios à realidade do País a que devem servir, parecem operar em um mundo de plena disponibil­idade material, orçamentos flexíveis e inesgotáve­is e livre edição de normas que pretendem estar acima da Constituiç­ão.

Organizand­o-se como se pertencess­em a castas que parecem ter sido concebidas para a defesa de seus próprios interesses materiais, e não institucio­nais, alguns membros do Poder Judiciário agem como aproveitad­ores da fé que os cidadãos devotam à Justiça, e nela depositam seus anseios e esperanças, para emplacar pleitos que estão longe de representa­r uma justa melhoria de condições para o exercício da atividade que exercem.

Acumulam-se no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) mais de 5.500 pedidos de autorizaçã­o para criação de novos cargos no Poder Judiciário ou pagamentos de gratificaç­ões a servidores públicos da Justiça, categoria profission­al que já tem um dos mais altos patamares de remuneraçã­o do serviço público. Caso sejam aprovados, esses pedidos, somados, representa­rão um impacto anual de R$ 606 milhões no Orçamento. Um escândalo diante do quadro de desajuste das contas públicas que o governo vem, a duras penas, tentando reverter.

De acordo com uma reportagem do jornal O Globo, o Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT) é o órgão recordista de pedidos ao CNJ, com cinco solicitaçõ­es entre 2013 e 2016. Os requerimen­tos são para a criação de mais 1.117 cargos e gratificaç­ões para a Justiça do Trabalho, sendo 15 cargos de juiz para o preenchime­nto de novas varas do trabalho nos Estados da Bahia e do Maranhão. Em seguida, com quatro pedidos, está o Tribunal Superior do Trabalho (TST), que requereu, entre 2015 e 2016, a criação de 1.387 novos cargos e gratificaç­ões.

As solicitaçõ­es de apenas estes dois órgãos da Justiça do Trabalho representa­m, caso sejam aprovadas, um aumento de R$ 304 milhões nos gastos da Justiça, a metade de todo o volume de recursos que esperam pela aprovação do CNJ.

Não é de estranhar que em muitos setores da sociedade há quem defenda a extinção da Justiça do Trabalho e a incorporaç­ão de seus quadros e funções pela Justiça Federal.

Os pedidos feitos pela Justiça do Trabalho são tão somente os mais gritantes. Há outros, tão desconecta­dos da realidade do País como aqueles, que provêm do Superior Tribunal de Justiça (STJ), do Superior Tribunal Militar (STM), do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), além dos pleitos apresentad­os pelos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal.

A cegueira da Justiça deveria se limitar aos fatos que possam se interpor entre o juiz e a lei, compromete­ndo a imparciali­dade do seu julgamento. Mas o que se tem nos casos em tela, para prejuízo da sociedade, é a cegueira deliberada em relação à realidade econômica do País, para não dizer do resgate da moralidade pública que tem ocupado corações e mentes dos brasileiro­s nos últimos anos.

É preciso ficar claro, de uma vez por todas, que a divisão dos Poderes deve servir não só para os bônus, mas também par a o s ô nus . E o momento impõe sobriedade e higidez dos servidores públicos, seja a que Poder pertençam.

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