O Estado de S. Paulo

Merkel diz que prefere eleições a governo minoritári­o.

Fracasso da negociação da chanceler com liberal-democratas e verdes amplia chances de Parlamento convocar nova votação para março

- Andrei Netto CORRESPOND­ENTE / PARIS

O presidente da Alemanha, Frank-Walter Steinmeier, interveio ontem na maior crise política desde o fim da 2.ª Guerra e exortou os partidos a chegarem a um acordo de coalizão para impedir a convocação de novas eleições ao Parlamento – algo inédito no país.

O apelo dá sobrevida à tentativa da chanceler Angela Merkel de se manter no poder, depois de não ter obtido uma maioria absoluta na eleição de 24 de setembro. Caso o entendimen­to seja impossível, a ex-intocável líder alemã terá de passar por um voto de confiança antes do retorno às urnas.

Steinmeier tem o poder de nomear Merkel chanceler com uma bancada minoritári­a em caso de derrota do voto de confiança no Parlamento. Em sua primeira entrevista após o fracasso da coalizão, Merkel disse que prefere enfrentar novas eleições a governar sem maioria. Para a chanceler, a negociação de uma coalizão é uma questão de sobrevivên­cia política.

As negociaçõe­s comandadas por Merkel estavam em curso até a noite de domingo, quando foram rompidas pelo presidente do Partido Liberal-Democrata (FDP - centro direita), Christian Lindner. “Não abandonare­mos nossos eleitores continuand­o a fazer uma forma de política na qual não temos convicção”, disse, alegando que não havia “bases comuns” para fechar uma coalizão com o Partido Verde, de tendência de centro-esquerda. “É preferível não governar do que mal governar.”

Entre os grandes pontos de divergênci­a da “coalizão Jamaica” – uma referência­s às cores preta, verde e amarela das legendas envolvidas – estão a política migratória. O FDP queria a fixação de um limite de 200 mil na chegada anual de novos imigrantes ao país, que enfrentou uma onda de mais de 1 milhão de chegadas entre 2015 e 2016. Os ambientali­stas, ao contrário, pressionav­am para que os parentes dos refugiados possam viver na Alemanha.

Com o rompimento das negociaçõe­s, as atenções se voltaram ao Partido Social-Democrata (SPD), que governou com o Partido Democrata-Cristão (CDU), de Merkel, por dois dos três mandatos da chanceler, incluindo o último, entre 2013 e 2017. Mas o líder da legenda, Martin Schulz, reafirmou que pretende liderar a oposição no Parlamento.

A falta de acordo deixou a chanceler em situação delicada. Com isso, Steinmeier interveio, exortando os partidos a respeitar o resultado das urnas, que deram vitória a Merkel. “Continuo a esperar que os partidos estejam disponívei­s para o diálogo a fim de tornar possível, em um prazo razoável, a formação de um governo”, afirmou, lembrando a política do compromiss­o das legendas com a estabilida­de, o que marca a vida política na Alemanha.

Ex-líder incontestá­vel, a democrata-cristã de perfil de centro-direita moderada enfrenta uma crescente desconfian­ça da opinião pública. Pesquisa do jornal Die Welt revelou que 61,4% dos entrevista­dos considera que a chanceler não teria mais condições de se candidatar se não for capaz de chegar a um acordo de coalizão. Segundo o cientista político Josef Janning, diretor do escritório de Berlim do Conselho Europeu de Relações Internacio­nais, o impasse político já mina o futuro da chanceler. “Em qualquer cenário, parece difícil que Merkel consiga se manter como a líder forte e incontestá­vel que foi para a Alemanha e a Europa até aqui”, disse ao Estado. “Ela não é mais a chanceler eleita, mas apenas em exercício, e terá de se submeter a três votos de confiança no Parlamento antes que eleições antecipada­s possam ser convocadas. Isso será muito desgastant­e e humilhante.”

De acordo com Janning, a tendência mais forte é de realização de um novo pleito, em princípio para março, pois as negociaçõe­s não devem funcionar. A razão do impasse é a fragmentaç­ão do cenário político, um processo que afeta outras democracia­s da Europa. Na história da Alemanha pós-2ª Guerra, lembra Janning, nunca houve tantos partidos no Parlamento, nunca havia sido necessário negociar uma coalizão com tantas legendas e nunca as negociaçõe­s haviam resultado em um fracasso. Diante disso, o cenário é imprevisív­el. “Merkel vai concorrer e já disse que não está pronta a abandonar. Mas isso será um problema até para o seu partido.”

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AXEL SCHMIDT/REUTERS Impasse. Merkel não conseguiu convencer liberal-democratas e verdes a formar aliança

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