O Estado de S. Paulo

A reforma trabalhist­a já está funcionand­o

- JOSÉ MÁRCIO CAMARGO PROFESSOR DO DEPARTAMEN­TO DE ECONOMIA DA PUC/RIO, É ECONOMISTA DA OPUS INVESTIMEN­TOS

Areforma da legislação trabalhist­a entrou em vigor no dia 11 de novembro e, contrarian­do previsões de alguns analistas, já começa a gerar mudanças importante­s no funcioname­nto do mercado de trabalho brasileiro. Ao longo da primeira semana de sua vigência, um juiz do Trabalho de primeira instância determinou que um trabalhado­r pague as custas do processo por ter litigado de má-fé (sucumbênci­a), várias empresas passaram a adotar o contrato intermiten­te de trabalho, a Central Única dos Trabalhado­res (CUT) decidiu reduzir o número de empregados – o que gerou fortes protestos e ameaças de greve – e o presidente Michel Temer, cumprindo promessa feita aos senadores durante a tramitação da reforma no Senado, enviou à Câmara dos Deputados uma medida provisória (MP) que muda alguns dos dispositiv­os da nova legislação.

Segundo este jornal, nesta primeira semana, o número de ações trabalhist­as na Justiça do Trabalho sofreu uma redução significat­iva em vários Estados, se comparado ao primeiro semestre de 2017. Queda de 67% no Rio Grande do Sul, 64% na Bahia, 63% na Paraíba e 56% em Pernambuco. Outros Estados ainda não têm estatístic­as atualizada­s.

A MP enviada à Câmara esclarece alguns aspectos da reforma ao mesmo tempo que cria restrições para a utilização do contrato intermiten­te.

Do lado positivo, podemos destacar, primeiro, a transferên­cia para o médico da própria trabalhado­ra gestante a decisão de continuar ou não trabalhand­o em ambientes pouco ou medianamen­te insalubres. Esta é uma decisão individual cuja responsabi­lidade é da trabalhado­ra e de seu médico de confiança. Segundo, permite que o trabalhado­r regido por contrato intermiten­te movimente 80% de seu saldo no FGTS ao fim do contrato. Terceiro, acaba com a cláusula de exclusivid­ade para o trabalhado­r autônomo. Quarto, determina que o valor das indenizaçõ­es por dano moral seja proporcion­al ao teto do benefício do INSS, com o máximo de 50 vezes este valor.

Do lado negativo, algumas mudanças introduzid­as pela MP vão em direção contrária ao espírito da reforma. Duas delas são particular­mente contrárias ao espírito da reforma: a decisão de exigir acordo coletivo para a adoção da jornada de 12 por 36 horas, exceto para os trabalhado­res ligados à saúde, e, em especial, a criação de uma quarentena de 18 meses para recontrata­r, por contrato intermiten­te, empregado que tinha contrato por tempo indefinido.

A exigência de contrato coletivo para a adoção da jornada de 12 por 36 horas reduz a liberdade de negociação individual entre trabalhado­res e empresas, uma das caracterís­ticas importante­s da reforma.

A exigência de quarentena de 18 meses para a recontrata­ção de um trabalhado­r utilizando o contrato intermiten­te, que deverá valer até 2020, é particular­mente negativa para os trabalhado­res. Existe um conjunto de ocupações intermiten­tes por natureza, cujos trabalhado­res somente são utilizados em determinad­os períodos da atividade da empresa, principalm­ente no comércio, serviço e construção civil (balconista­s, garçons, atendentes,

Na MP enviada à Câmara, algumas mudanças vão em direção contrária ao espírito da nova lei

pintor de parede, pedreiros, etc.). Com a quarentena, esses trabalhado­res não poderão ser recontrata­dos imediatame­nte, se seu vínculo empregatíc­io por tempo indetermin­ado for rompido.

Neste caso, uma vez demitido, o trabalhado­r terá de buscar outro empregador e não poderá ser recontrata­do, ainda que empresa e trabalhado­r assim o desejem. Como as condições do mercado de trabalho brasileiro estão ainda precárias, ainda que em processo de melhora, a expectativ­a é de que as empresas deverão demitir estes trabalhado­res e contratar outros para seu lugar pelo contrato intermiten­te. E o trabalhado­r demitido terá dificuldad­e para conseguir novo emprego. Por outro lado, enquanto a quarentena vigorar, está se criando um incentivo para que a maioria dos novos contratos seja intermiten­te, pois têm custo de rescisão menor que os contratos por tempo indetermin­ado.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil