O Estado de S. Paulo

‘Fed pode subir juro com corte de impostos’

Para acadêmico, se os EUA adotarem um ritmo mais intenso de elevação da taxa, emergentes podem ter problemas

- Ricardo Leopoldo ENVIADO ESPECIAL / SÃO FRANCISCO

O Federal Reserve (Fed, o banco central americano) pode adotar um ciclo de alta de juros maior do que três ou quatro elevações previstas pelo mercados financeiro­s para 2018, caso seja aprovado pelo Congresso dos Estados Unidos um programa de corte de impostos, que ocorreria no pior momento, quando a economia do país se aproxima do pleno emprego, comentou o professor Barry Eichengree­n, da Universida­de da Califórnia, em Berkeley.

Em entrevista exclusiva ao Estadão/Broadcast, ele apontou que tal fato o deixa “preocupado”, porque o nível de atividade hoje da economia americana não tem folgas e isso pode provocar alta de salários, aumento da inflação e do ritmo dos Fed Funds. “E uma política fiscal expansioni­sta será acompanhad­a por uma política monetária mais contracion­ista, que poderá criar uma bolha nos mercados financeiro­s nos EUA e causar problemas para países emergentes.” A seguir, os principais trechos da entrevista.

Como o sr. avalia a evolução da economia dos EUA?

Está relativame­nte saudável porque o cresciment­o continua em bom ritmo e a taxa de desemprego deve continuar diminuindo e atingir níveis baixos, se nada significat­ivo ocorrer. A economia está próxima do pleno emprego. E isso deixa-me preocupado.

Por quê?

Por causa da chance de ocorrer um programa de corte de gastos do governo dos EUA no pior momento, porque a economia está próxima do pleno emprego. Eu penso que isso poderá expandir o déficit comercial, apreciar o dólar, e o presidente Donald Trump ficará insatisfei­to. Tudo isso pode levar seu governo a responder com o início de uma batalha com o Fed, que poderá responsabi­lizá-lo pelo dólar mais forte. O presidente pode brigar com governos de outros países, pelo aumento do déficit comercial americano e com outros bancos centrais, pois poderá culpá-los pelo vigor do dólar ante outras divisas. Eu penso que há riscos.

O sr. está dizendo que com a aprovação da reforma tributária, há riscos de a inflação subir com vigor com o aqueciment­o do nível de atividade, levando o Fed a acelerar o ritmo de alta de juros em 2018?

Exato. Há dois fatores que elevam as chances de aumento do ritmo de altas de juros no próximo ano. O primeiro é o corte de gastos, o que eu não chamaria de reforma tributária. O segundo é o fato de que como estamos nos aproximand­o do pleno emprego, os salários tendem a acelerar de forma significat­iva. Talvez a taxa de desemprego ficará abaixo de 4%, mas não pode cair para sempre. O risco do corte de im- postos e de elevação de salários é o de provocar uma velocidade mais rápida de elevação de juros pelo Fed. Os mercados esperam três ou quatro altas de 0,25 ponto porcentual no próximo ano, mas podem estar subestiman­do quanto os Fed Funds podem subir em 2018.

Caso o Fed adote um ciclo de maiores altas de juros no próximo ano, tal fato poderá causar excessiva volatilida­de nos mercados financeiro­s globais?

O que podemos dizer com certeza é que a atual baixa volatilida­de dos mercados financeiro­s não é eterna. Não sabemos quando a volatilida­de vai subir, nem qual será o fator que deflagrará esse processo, mas esse fator pode ser o movimento de alta de juros pelo Fed. Um outro elemento que poderia seria uma desacelera­ção mais dramática da China.

Num contexto de aceleração de alta de juros pelo Fed e reação negativa dos mercados, a economia dos EUA poderia na sequência ingressar num processo de recessão?

A economia está indo bem no momento e penso que rápidas mudanças de políticas podem mudar essa condição, é claro. Quando digo que agora é o pior momento para realizar uma política fiscal expansioni­sta é porque não há folga no nível de atividade dos EUA. E uma política fiscal expansioni­sta será acompanhad­a por uma política monetária mais contracion­ista que poderá criar uma bolha nos mercados financei- ros nos EUA e causar problemas para os emergentes.

Quais problemas?

Como o que vimos em 2013, com o Taper Tantrum (Naquele ano, o então presidente do Fed Ben Bernanke sugeriu que o Fed começasse a reduzir um programa de compras de títulos para estimular a economia, com isso os juros dos títulos deram um salto).

Quais o sr. avalia a política comercial do governo Trump?

São alarmantes. Por exemplo: se essas políticas fortalecer­em o dólar, como nos anos 80, quando o presidente Ronald Reagan e o presidente do Fed Paul Volcker adotaram um conjunto de medidas semelhante­s, o dólar mais forte ampliou o déficit comercial. Se isso ocorrer novamente, vai antagoniza­r com o presidente Trump. Nesse cenário, ele pode responsabi­lizar outros países, culpando nações que exportam mercadoria­s tangíveis, como aço e aviões, produtos que o Brasil vende. Há um risco para o Brasil de adoção de ações contrárias a suas exportaçõe­s, como medidas antidumpin­g.

Quanto o sr. imagina que os EUA poderão crescer em 2018? O que o FMI está projetando para o país no próximo ano, uma taxa ao redor de 2,5%, é provavelme­nte otimista se o corte de impostos for aprovado e se o Fed subir os juros com maior rapidez. Um número razoável de cresciment­o seria inferior a 2,5%.

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JF DIORIO/ESTADÃO-19/5/2011 Cenário. Este é o pior momento para os EUA adotarem corte nos gastos, diz Eichengree­n

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