O Estado de S. Paulo

Viagem da luz e poder

Carlos Nunes e Ding Musa discutem os temas na galeria Raquel Arnaud

- Antonio Gonçalves Filho

Duas séries do pintor alemão Josef Albers (1888-1976), um dos grandes mestres da Bauhaus, vêm à memória quando se vê alguns dos trabalhos do artista Carlos Nunes em sua exposição Fototaxia, que a Galeria Raquel Arnaud inaugurou no último dia 9 e que permanece aberta até 20 de janeiro de 2018: a primeira é a conhecida série Homenagem ao Quadrado, que Albers começou ainda nos anos 1950, aos 62 anos. A segunda é sua série Variant/Adobe ( 1947).

O paulistano Nunes, uma das grandes revelações da marchande Raquel Arnaud, comemora em 2017 dez anos de sua estreia no circuito (numa exposição coletiva argentina), dedicando justamente uma das séries de sua mostra individual, Caro Albers, ao alemão que marcou a história da arte com a série anteriorme­nte mencionada – a de pinturas saturadas com a figura do quadrado em expansão.

Nunes, aos 48 anos, é um artista internacio­nalmente premiado, com residência artística no Japão e Espanha. Também é um talento que não tem medo da história. Revisita na mesma exposição Albers e o suprematis­ta russo Kazimir Malevitch (18781935). Fazendo companhia ao amigo, o fotógrafo Ding Musa ocupa o mezanino da galeria com sua exposição Do Discurso Político Brasileiro, visita ao centro do poder em Brasília como raras vezes se viu desde as fotos históricas de Marcel Gautherot (1910-1962), que registrou os primórdios do Distrito Federal.

Albers. Na exposição de Car- los Nunes, Fototaxia, o artista recorre a diversas técnicas, da assemblage à performanc­e gravada em vídeo, para investigar a ação da luz sobre suportes variados. Nunes explica que usou a fototaxia (ou fototropis­mo) – resposta de seres vivos a estímulos luminosos – para investigar o sentido de deslocamen­to provocado pelo colapso de um sistema.

Assim, na série Lampejos, um conjunto de desenhos resulta de um curto circuito provocado junto à superfície do papel. Em outra série, que demorou nove meses para ser feita, papéis dobrados foram expostos à luz do sol, tendo sua cor original alterada. Juntando-os numa collage que remete à série Variant/Adobe (1947) de Albers, ele inverte a equação do pintor alemão, que, nesse trabalho, recorreu à fachada de casas mexicanas populares para criar retângulos verticais numa composição diagramáti­ca. Nunes, a exemplo de Albers, dá ênfase à cor por meio de um arranjo geométrico, mas o que importa mesmo são as células que entram ao acaso na zona iluminada pelo sol, alterando a cor original do papel de seda.

Em outra parede da galeria, Nunes apresenta a série Caro Albers, composta por 12 pranchas que brincam com a fixação do alemão pelo monocromat­ismo, usando apenas papéis brancos de diferentes tonalidade­s. Como um esquimó, capaz de diferencia­r cada uma dessas tonalidade­s, Nunes investiga a expansão albersiana e busca o grau zero da pintura, como fez no passado o inventor do suprematis­mo Malevitch. A obra-prima do russo, Branco Sobre Branco (1918), negava a forma inteiramen­te em defesa da ideia da obra. Nunes, ao contrário, usa o suprematis­mo para reforçar a forma de Albers construída pela cor. A busca pela cor real levou Nunes a radicaliza­r, usando as cinzas de um papel queimado para desenhar sobre uma folha imaculada.

Centro do poder. Numa outra direção, a do comentário político, o fotógrafo Ding Musa penetra no espaço máximo das decisões, o gabinete da presidênci­a da República, para examinar como se constrói o discurso na política. Ao registrar vários edifícios do Planalto Central, quase todos sem personagen­s humanos, Musa faz um trabalho totalmente documental que, de certa forma, se adapta perfeitame­nte à linha construtiv­ista eleita pela marchande Raquel Arnaud desde seu ingresso no mercado de arte. A exemplo do amigo Carlos Nunes, também Musa já começa a expor em importante­s galerias no Exterior – sua mostra mais recente foi na Galeria Osnova, em Moscou, entre junho e julho deste ano.

A série de fotografia­s de Ding Musa sobre Brasília começou há dez anos e foi transforma­da em dois livros artesanais de tiragem limitada que estão em ex-

“Fiz a série ‘Caro Albers’ como se fossem cartas dirigidas ao pintor alemão” Carlos Nunes PINTOR

posição na galeria ao lado das fotos. Entre essas imagens, destaca-se naturalmen­te a sala do presidente da República ( reproduzid­a nesta página), simetricam­ente desenhada para comportar duas bandeiras e uma tapeçaria ( Músicos, 1958) de Di Cavalcanti, que não é uma elegia ao trabalho, mas ao samba.

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O gabinete do presidente por Ding Musa com a tapeçaria do pintor Di Cavalcanti atrás de sua escrivanin­ha
GALERIA RAQUEL ARNAUD Nunes. Palha de aço em motor produz faíscas em slow motion no vídeo Olimpo. O gabinete do presidente por Ding Musa com a tapeçaria do pintor Di Cavalcanti atrás de sua escrivanin­ha
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DING MUSA/GALERIA RAQUEL ARNAUD
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GALERIA RAQUEL ARNAUD Solar. A cor dos papéis é alterada por exposição à luz em obra de Carlos Nunes

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