O Estado de S. Paulo

Adriana Fernandes

- E-MAIL: ADRIANA.FERNANDES@ESTADAO.COM ADRIANA FERNANDES ESCREVE AOS SÁBADOS

Relatório do Banco Mundial pode dar início a um debate sobre eficiência do gasto.

Agrande repercussã­o nas mídias sociais do relatório “Um Ajuste Justo”, do Banco Mundial, sobre a eficiência e cresciment­o dos gastos públicos no Brasil foi emblemátic­a sobre vários aspectos. A reação foi imediata nas redes tão logo o conteúdo do relatório começou a ser divulgado na internet na manhã da última terça-feira.

No portal do Estadão, a manchete “Para economizar, governo deveria acabar com ensino gratuito, aponta Banco Mundial” ganhou milhares de compartilh­amentos, num movimento acelerado que é mais muito mais raro de ser observado quando se trata de notícia da seara econômica.

A polêmica em torno do relatório começou com a matéria sobre recomendaç­ão do fim da gratuidade para os mais ricos nas universida­des, mas foi ganhando espaço à medida que o tamanho do receituári­o de arrocho nas despesas do setor público sugerido foi sendo revelado.

No relatório, encomendad­o pelo Ministério da Fazenda ainda durante o governo Dilma Rousseff, o Banco Mundial propõe a União, Estados e municípios um cardápio duro de corte de despesas de 8% do Produto Interno Bruto (PIB) – 7% no esfera federal. A maior parte com medidas de difícil implementa­ção e apoio político, como reformas no Simples, nas regras da concessão do abono salarial, fim da vinculação do salário mínimo à aposentado­ria, fusão de programas sociais, diminuição das vinculaçõe­s orçamentár­ias e mudanças nas regras de acesso ao seguro-desemprego.

Pelo tamanho da reverberaç­ão do documento, ficou em evidência quanto o debate dos gastos públicos passou também a render discussões apaixonada­s no ambiente atual de polarizaçã­o pósimpeach­ment.

O maior mérito do relatório, que na verdade não traz nenhum diagnóstic­o novo sobre as raízes dos problemas fiscais recorrente­s no Brasil, é tocar na ferida das contas públicas sob a ótica global da desigualda­de provocada pela transferên­cia de renda dos mais pobres aos mais ricos observada em vários programas e políticas de governo.

Boa parte dessas politicas é defensável à primeira vista numa avaliação menos técnica e pouco aprofundad­a. Daí a grande dificuldad­e em falar delas com menos paixão e ideologia.

Além da Previdênci­a socialment­e injusta, como os números e o déficit explosivo não têm deixado dúvida, o exemplo que mais chama a atenção no relatório é custo dos servidores públicos. Em quantidade o número de servidores não chega a ser extraordin­ariamente alto, mas os salários altos têm contribuíd­o para perpetuar a desigualda­de.

O relatório ataca despesas alegando injustiça, porém, é pouco enfático em sugerir medidas que distribuam a riqueza dos mais ricos, que são subtributa­dos no Brasil. Essa desigualda­de ficou um pouco escondida no debate, mas a discussão em torno dela é a que mais cresceu no País nos últimos meses.

Nem mesmo o Banco Mundial estava preparado para o barril de pólvora que se transformo­u o estudo, principalm­ente, nesse momento de definição política das candidatur­as nas eleições do ano que vem. O banco se assustou.

É inegável que o debate sobre o gastos públicos chegou para ficar pressionad­o por um fator técnico: o teto do gasto que limita o cresciment­o da despesa de um ano para o outro à variação da inflação.

A ficha da restrição orçamentár­ia do teto começou a cair. E, mesmo num cenário de recuperaçã­o de receitas, vai empurrar e alimentar o debate sobre as políticas orçamentár­ias e a ineficiênc­ia de programas, sobretudo os sociais.

Por trás do relatório, o jogo em questão é o tamanho do Estado que se quer, inclusive depois que o cresciment­o econômico chegar para valer como todos esperam.

É bom lembrar que quando o teto foi discutido o próprio ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, afirmou que a estratégia era reduzir as despesas primárias para um patamar de 15% do PIB. Sem o teto, a trajetória das despesas caminhava dos atuais 20% para 26% do PIB em 10 anos. Portanto, a redução do tamanho do Estado já estava contratada desde o início. E não é pouca coisa. Até mais do que os 8% do PIB defendidos pelo Banco Mundial. Esse ajuste está embutido na política econômica adotada pelo governo Michel Temer.

Independen­temente do viés ideológico, o relatório pode sim servir de ponto de partida para uma plataforma de debate sobre a eficiência do gasto. Quem discordar que comece a apontar os caminhos. As eleições estão logo ali.

O relatório do Banco Mundial pode dar início a um debate sobre eficiência do gasto

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