O Estado de S. Paulo

Zeina Latif

- ZEINA LATIF E-MAIL: ZEINA.LATIF@TERRA.COM.BR ZEINA LATIF ESCREVE ÀS QUINTAS-FEIRAS ECONOMISTA-CHEFE DA XP INVESTIMEN­TOS

Ante o envelhecim­ento da população, diversos países já fizeram reforma da Previdênci­a.

OBrasil está muito atrasado na reforma da Previdênci­a. Muitos países a fizeram nos últimos 30 anos, para fazer frente ao envelhecim­ento da população. Desde a experiênci­a pioneira do Chile em 1980, países como Argentina (1994, 2008), Peru (1993), Colômbia (1993), Uruguai (1996) e México (1997) fizeram reformas. No Brasil, as iniciativa­s foram limitadas, com a introdução do fator previdenci­ário por FHC em 1999 – equivocada­mente extinto em 2015, ironicamen­te com apoio do PSDB – e, com Lula, a mudança de regras para os servidores públicos que ingressara­m a partir de 2003.

O resultado é que nossos vizinhos estão mais preparados para enfrentar as consequênc­ias fiscais da mudança demográfic­a. Não terão aumento importante dos seus déficits previdenci­ários nas próximas décadas, de acordo com o FMI. Já no Brasil os gastos previdenci­ários saltarão de 13% do PIB em 2016 para 19% em 2030, segundo Paulo Tafner. É necessário reverter rapidament­e essa trajetória para evitar a volta da inflação, pois não haverá aumento de impostos que dê conta de tamanha pressão de gastos.

O governo Temer decidiu enfrentar essa agenda. A reforma da Previdênci­a tinha elevada chance de aprovação em maio. Arestas haviam sido aparadas e as negociaçõe­s avançavam rapidament­e. O escândalo da JBS, sem perícia dos áudios e com vazamentos à imprensa, teve como efeito colateral inviabiliz­ar aquela votação. O açodamento de uns e a precipitaç­ão de outros custaram caro ao País.

O governo titubeou, mas não desistiu da reforma. Seu escopo foi reduzido para eliminar temas que necessitav­am de maior debate, como o Benefício de Prestação Continuada e a aposentado­ria rural. Na proposta mais enxuta (equivale a 50% da proposta original, segundo o governo), apenas 25% dos trabalhado­res serão afetados. Justamente os mais ricos: trabalhado­res que se aposentam por tempo de contribuiç­ão e funcionári­os públicos.

Atualmente, contribui-se pouco para o que se recebe na aposentado­ria. Segundo Tafner, os homens contribuem com 135 salários ao INSS ao longo dos 35 anos de contribuiç­ão, mas recebem 312 benefícios na aposentado­ria. Para mulheres (30 anos de contribuiç­ão), são 116 salários contra 390 benefícios.

Vale lembrar que a idade mínima só atingirá 62 anos para a mulher e 65 anos para o homem em 2037. A idade mínima que a imensa maioria dos países já adota hoje, o Brasil atingirá em 20 anos.

A resistênci­a de muitos parlamenta­res à atual proposta de reforma é injustific­ada. Um misto de populismo e oportunism­o, e, por vezes, ignorância em relação à sua urgência. Difícil dizer o que é pior. Nas conversas na Câmara, o que se ouve é “quem vota não volta”. Falta espírito republican­o em favor do interesse público.

Que nome dar à postura de muitos congressis­tas que negam os problemas e defendem deixar a reforma para 2019 para, supostamen­te, conseguire­m se reeleger? Parece ser propaganda enganosa.

Ainda que menor, a reforma proposta contempla avanços e cumprirá importante papel de sinalizar o compromiss­o do País com o ajuste fiscal. Algo essencial em tempos de enorme déficit orçamentár­io e dívida pública que cresce em ritmo acelerado. Sem esse compromiss­o, poderemos voltar ao quadro do início de 2016, quando a inflação dava sinais de descontrol­e. E ainda com colapso dos serviços públicos.

Como a agenda de ajuste fiscal é urgente e demanda capacidade de enfrentame­nto e de diálogo, as incertezas eleitorais reforçam ainda mais a necessidad­e de iniciar agora essa etapa da reforma.

É a expectativ­a de reformas fiscais que preserva a demanda por títulos públicos e mantém os preços de ativos bem-comportado­s. Se a confiança de poupadores e investidor­es se for, como em 2015, quando o ajuste fiscal pareceu ameaçado, a reforma terá que ser muito mais ambiciosa.

O Congresso Nacional já deu prova de maturidade nas votações da regra do teto dos gastos públicos, reforma trabalhist­a e TLP (taxa de longo prazo do BNDES). É necessário aproveitar a atual janela de oportunida­de para entregar a reforma essencial.

É necessário aproveitar essa janela de oportunida­de para entregar a reforma essencial

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