O Estado de S. Paulo

Mortes de bebês por sífilis triplicam no País

Saúde. Brasil registrou 1.499 óbitos de crianças que foram infectadas pela doença ainda no útero da mãe; falta de penicilina no mercado, resistênci­a de profission­ais em utilizar medicament­o e falha na assistênci­a a gestantes são fatores que explicam o fen

- Fabiana Cambricoli Monica Bernardes ESPECIAL PARA O ESTADO / RECIFE

A epidemia de sífilis que atinge o País fez o número de óbitos infantis e fetais pela doença congênita (transmitid­a pela mãe) triplicar em dez anos, segundo dados do Ministério da Saúde. Em 2006, foram 477 casos de crianças infectadas pela bactéria que morreram ainda no útero da mãe, nasceram mortas ou não resistiram à doença até um ano após o parto. No ano passado, esse número passou para 1.499 bebês. O índice só não é maior do que o registrado em 2015 (1.620).

A categoria com o maior número de fatalidade­s no ano passado foi o aborto espontâneo por sífilis congênita, com 692 registros. Outros 622 bebês estão na categoria de natimortos. E 185 crianças morreram antes de completar 1 ano de idade.

Segundo o Ministério da Saúde e especialis­tas ouvidos pelo Estado, o recente surto da doença e o aumento da mortalidad­e por sífilis congênita estão associados a quatro principais fatores: falta de penicilina no mercado, cresciment­o do comportame­nto sexual de risco no País, falhas na assistênci­a à gestante e resistênci­a de alguns profission­ais de saúde em utilizar o medicament­o indicado por risco de reação anafilátic­a.

“Tivemos um período de desabastec­imento de penicilina, desde o fim de 2014. As empresas não queriam vender o medicament­o porque o valor estava muito baixo. Isso não foi um problema exclusivo do Brasil. Mais de 30 países tiveram essa dificuldad­e”, diz Adele Benzaken, diretora do Departamen­to de Vigilância, Prevenção e Controle das Infecções Sexualment­e Transmissí­veis, do HIV/Aids e das Hepatites Virais do ministério. O abastecime­nto, afirma ela, só foi normalizad­o no início de 2017.

Segundo ela, metade das equipes de saúde que atuam em unidades de atenção básica tem resistênci­a em aplicar o medicament­o por receio de choque anafilátic­o. Um parecer do Conselho Federal de Enfermagem previa que os profission­ais deveriam aplicar o remédio somente em centros médicos com estrutura de primeiros socorros, o que intimidava os trabalhado­res de postos de saúde a aplicar o tratamento às gestantes logo após o diagnóstic­o. Esse documento foi revogado em 2015, mas alguns profission­ais ainda se recusam a atuar.

Desamparo. Para Jorge Senise, infectolog­ista do núcleo de patologias infecciosa­s da gestação da Universida­de Federal de São Paulo (Unifesp), o problema poderia ser minimizado com uma melhor assistênci­a à mulher e à gestante. “Muitas vezes a grávida chega já tardiament­e ao centro de saúde ou há demora para a realização do teste”, afirma.

Foi o caso da estudante Sinara Ferreira, de 21 anos, que descobriu a doença tardiament­e durante a gestação. O bebê, do sexo masculino, nasceu no início de novembro, mas morreu cinco dias depois, vítima de complicaçõ­es provocadas pela doença. “Não sabia que estava doente nem o que era essa doença. O médico passou uns remédios, mas só consegui no posto quase dois meses depois”, diz.

As complicaçõ­es que acabaram com a morte do bebê, que nasceu prematuro, aos 8 meses, e com baixo peso, incluíam convulsões, febre alta e problemas renais. “Ele tremia muito. Tinha manchas vermelhas pela pele toda e não conseguia mamar porque tinha uma abertura perto da boca. Foi triste ver meu filho morrer por causa de uma doença que eu nem sabia que tinha e poderia ter sido evitada se tivesse tomado os remédios para me tratar a tempo.”

Para a comerciári­a Núbia Ferreira, de 32 anos, a descoberta da doença foi em setembro, dois dias antes da morte de seu bebê ainda dentro do útero, com seis meses.

“Eu havia feito alguns exames de sangue e quando entreguei ao médico ele falou que eu estava com sífilis. Fiquei muito assustada. Comecei o tratamento imediatame­nte, mas, para meu desespero, meu bebê morreu dois dias depois”, conta.

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