Dia de homenagens e luto na Arena Condá
Em Chapecó, muita gente diz que o clube se tornou mais fechado e com menor afinidade com a comunidade local
Diante de tantas homenagens, um único vaso de flores brancas, bem no centro do campo na Arena Condá, representava bem o sentimento de alguns torcedores que aproveitavam o intervalo do almoço para prestar homenagens ontem. Um ano após a tragédia com a delegação da Chapecoense, que deixou um saldo de 71 mortos após a queda do avião da LaMia, em Medellín, na Colômbia, pouca coisa parece clara aos olhos de quem acompanha os jogos de um time que sempre foi “da comunidade” e que em pouco mais de quatro décadas deixou de ser “apenas” uma equipe de Chapecó ou da região oeste de Santa Catarina para conquistar o carinho de todo o mundo.
E os números comprovam isso. A Chapecoense tem hoje cerca de 17 mil sócios contribuintes. Antes da tragédia, o número não passava de 9 mil. Estimase que a arrecadação do clube, embora não confirmada, possa chegar a R$ 100 milhões em 2017, um aumento de 40% em relação à 2016.
Desde o acidente, o clube passou por várias mudanças administrativas, pagou seguros, salários e premiações às famílias das vítimas e também recebeu ajuda, como o pagamento de 50% dos salários de jogadores emprestados. Mas aos olhos do torcedor, seja por estratégia administrativa ou foco no resultado que garantiu o título catarinense e a permanência na Série A, a Chapecoense parece mais fechada do que costumava ser antes da tragédia.
Ontem, não houve expediente na sede do clube, mas a Arena Condá permaneceu aberta para que todos pudessem fazer suas homenagens. Entre os mais apaixonados, um sentimento em comum: falta alguma coisa na relação entre a Chapecoense e o torcedor.
Para a enfermeira Daiane Andreia Dhiel, de 24 anos, que se emociona ao falar da “Chape”, o crescimento do clube e os esforços da atual diretoria são inegáveis, mas hoje a saudade sugere outra reflexão. “Acho que aprendemos muito com tudo o que aconteceu e ainda estamos aprendendo. Vejo maturidade no comportamento do torcedor, que sabe ponderar até mesmo na critica. Mas também vejo um certo distanciamento do clube. É algo que a gente sente, mas não consegue explicar. Não vejo como nostalgia, mas sem desmerecer o trabalho de quem aceitou esse desafio imenso, parece que falta um pouco de amor. Nos sentimos sozinhos”, explica.
As lembranças dos mortos na tragédia estão espalhadas pela cidade. Nas ruas, o sentimento é de saudade não só dos mortos, mas também de uma época que o torcedor faz questão de que não seja esquecida.
“Sou do tempo em que a Chapecoense não era o que é hoje. A gente sentava no chão de terra para acompanhar os jogos. Todos se conheciam, a gente conversava com os jogadores, todos eram amigos da gente. Não havia qualquer tipo de ‘estrelismo’ e a maioria de quem estava lá era voluntário. Acho que essa essência de doação e empenho precisa ser mantida. É claro que os tempos mudaram e a Chape também mudou, mas os valores precisam ser mantidos e acho que o torcedor tem feito a sua parte”, diz o aposentado Vilson Vanzin, de 68 anos.
Para o cinegrafista Paulo Zezak, 55 anos, que acompanha o clube desde 1988, o sentimento dos torcedores tem justificativa. “Ficou uma lacuna. As pessoas que morreram no acidente tinham a capacidade de entender o ‘DNA’ do torcedor. Com a ausência dessas pessoas, o torcedor se sentiu e se sente ainda um pouco órfão. Isso é compreensível quando a gente fala de pessoas que administravam com muita experiência, mas principalmente com o espírito comunitário que é uma característica da nossa gente e que está presente em todas as iniciativas que deram certo em Chapecó.”
Processo. A diretoria da Chapecoense entrou com um processo na 4.ª Vara Cível de Chapecó contra a BISA Seguradora, empresa contratada pela companhia aérea LaMia e órgãos do governo boliviano. O clube catarinense “requer a condenação e o pagamento das indenizações decorrentes dos danos causados pelo acidente aéreo ocorrido em 29/11/2016”.
A BISA alegou, em maio, que a apólice de seguro não estava em vigor por falta de pagamento e que seu contrato com a LaMia não previa voos para a Colômbia. Em junho, o governo boliviano aprovou a apólice e indicou que a BISA deveria indenizar os parentes das 71 vítimas. O valor dividido deveria ser de US$ 25 milhões (R$ 81,1 milhões.)