O Estado de S. Paulo

O samba do tucano doido

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Odrama hamletiano em que se converteu a indefiniçã­o do PSDB retira de seu eleitorado a certeza de que, escolhido nas urnas, fará aquilo que dele se espera.

O PSDB está se esforçando para perder sua razão de existir. Não bastasse sua terrível indecisão sobre se apoia ou não um governo cujas medidas e iniciativa­s coincidem com o programa que os tucanos sempre defenderam para o País, o partido se apresenta completame­nte sem voz de comando. A desorienta­ção é tanta que hoje não é possível saber se seus parlamenta­res aprovarão a reforma da Previdênci­a, sobre cuja necessidad­e imperiosa nenhum tucano deveria ter qualquer dúvida.

O drama hamletiano em que se converteu a indefiniçã­o do PSDB diante do governo de Michel Temer e das reformas retira de seu eleitorado a certeza de que, uma vez escolhidos nas urnas, os tucanos farão, no Legislativ­o e no Executivo, aquilo que deles se espera desde a criação do partido, em 1988 – quando seus fundadores prometeram uma agremiação aguerrida na defesa dos interesses maiores do País e longe de hábitos pernicioso­s que caracteriz­avam a política de então e que, lamentavel­mente, não foram corrigidos.

O partido chegou a ensaiar uma trégua em sua luta intestina, com o acordo que alçará o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, à direção da legenda, e, portanto, à condição de provável candidato tucano à Presidênci­a da República. Mas a solução parece longe de ser suficiente para dissuadir os muitos tucanos que colocaram seus objetivos paroquiais à frente dos compromiss­os históricos do PSDB.

Tal comportame­nto faz do PSDB um amontoado de grupos que se organizam para minar uns aos outros, à luz do dia. Isso nada tem a ver com o necessário debate interno para a definição das linhas programáti­cas a seguir; trata-se, na verdade, de uma lenta implosão, que está transforma­ndo o PSDB numa sigla cujo significad­o o eleitor não consegue decifrar.

O resultado disso pode ser visto, por exemplo, nas “diretrizes para um novo programa partidário” que o PSDB divulgou há alguns dias. Malgrado o fato de que se trata de um documento apenas provisório, tudo ali recende a mediocrida­de e vacilação. Ao mesmo tempo que prega um “choque de capitalism­o”, o texto diz que o Estado deve ser “indutor do cresciment­o”. Trata-se de evidente contradiçã­o – no capitalism­o, o “indutor do cresciment­o”, como se sabe, é o livre mercado. Ademais, o modelo de Estado como “indutor do cresciment­o” foi o responsáve­l pela tragédia econômica que se abateu sobre o País na desastrosa gestão lulopetist­a, e não seria exagero dizer que, em grande medida, Dilma Rousseff foi afastada da Presidênci­a justamente para dar fim a essa insanidade.

O momento, portanto, parece favorável à defesa das ideias de livre mercado. Não é à toa que até mesmo o iracundo Jair Bolsonaro – que, assim como Dilma Rousseff, até outro dia defendia com ardor o nacional-desenvolvi­mentismo – passou a discursar como se sempre fosse um liberal de carteirinh­a. O PSDB, porém, hesita em fazer essa defesa e chega a dizer, no tal documento, que quer um “Estado musculoso” e que algumas estatais devem ser mantidas. O resto do texto é um festival de obviedades e lugares-comuns que mereceu de economista­s tucanos o mais veemente repúdio.

Se o futuro tucano, desenhado por essas “diretrizes”, não parece promissor, o presente é ainda mais desalentad­or. Além de não fechar questão sobre a reforma da Previdênci­a, uma parte dos tucanos resolveu patrocinar uma “nota técnica” em que, em troca de apoio nessa matéria, exige privilégio­s para os servidores públicos que ingressara­m na carreira até 2003, como aposentado­ria integral sem necessidad­e de cumprir a idade mínima e reajustes iguais aos conferido aos funcionári­os da ativa. Além disso, os tucanos querem que a reforma permita o acúmulo de aposentado­ria e benefícios, como pensão, até o teto do INSS. E, mesmo com essas exigências, o PSDB não garante votos para a reforma.

O governador Alckmin anunciou que, assim que assumir o comando do PSDB, o partido deixará formalment­e o governo. Na prática, porém, isso já aconteceu, pois muitos tucanos agem hoje como oposição, na presunção de que tal atitude lhes renderá votos – em troca dos quais o PSDB parece tentado a jogar fora sua história.

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