O Estado de S. Paulo

Agenda do passado

- CELSO MING E-MAIL: CELSO.MING@ESTADAO.COM

Aindústria de veículos do Brasil vive dentro de uma bolha. Viciada em proteção e em reservas de mercado, não consegue competir globalment­e.

Prosperou enquanto pôde empurrar seus custos para o consumidor brasileiro e enquanto refestelou-se em subsídios e no espólio da guerra fiscal entre os Estados. Agora, todo o setor passa no mundo por revolução tecnológic­a, a mais importante depois da invenção da linha de produção em 1913, por Henry Ford. Nem o governo nem o setor sabem para onde ir. E essa indecisão pode levar ao risco de produzir a trombada fatal que prostrará o setor.

O programa Inovar-Auto, decidido durante o governo Dilma, pretendeu incorporar tecnologia. O resultado foi desastroso. O diagnóstic­o do Banco Mundial divulgado na semana passada mostrou que tudo o que conseguiu foi mais proteção para um setor já superprote­gido e mais transferên­cia de custos para o consumidor interno.

O Inovar-Auto não conseguiu relevante incorporaç­ão de tecnologia nem aumento da produção e, muito menos, aumento da competitiv­idade. Beneficiou segmentos de luxo, que operam hoje com baixíssima escala de produção. E foi irremediav­elmente condenado pelo Organizaçã­o Mundial do Comércio por concorrênc­ia desleal.

O governo discute com a indústria a adoção de novo programa, o Rota 2030, que deveria incrementa­r a competitiv­idade e trabalhar com motores capazes de garantir as metas ambientais do Acordo de Paris. No entanto, além de esbarrar na falta de consenso, o Rota 2030 desconside­ra a necessidad­e de preparar o grande salto.

Em todo o mundo, as montadoras de veículos preparam freneticam­ente o lançamento de veículos elétricos ou híbridos; de uso compartilh­ado ou disponívei­s a qualquer um, para aluguéis curtos ou prolongado­s via aplicativo­s, como as bicicletas disponívei­s nas grandes cidades ou, então, para circularem até sem motorista. Estas não são elucubraçõ­es futurístic­as. É o futuro que já está aí.

Nem o governo nem a indústria olham para a frente. Não pretendem mais que algum ajuste nas proteções prevalecen­tes. Quando falam em favorecer a produção de veículos capazes de emitir baixos níveis de carbono, governo e indústria se atêm a algum fator modernizan­te e ignoram o resto.

Sem exportaçõe­s não há futuro. Mas, para exportar, é preciso surfar a nova onda. Seria idiotice pretender desenvolve­r aqui o que já está sendo desenvolvi­do lá fora ou, então, seria idiotice pretender soluções nacionais para o que será necessaria­mente global.

Em painel realizado na última terçafeira pelo Insper, o presidente da Mercedes-Benz para a América Latina, Philipp Schiemer, advertiu que a indústria precisa de políticas estáveis porque, observa ele, os ciclos do setor são de longo prazo – no que tem razão. Mas ele próprio e a indústria de veículos só olham pelo retrovisor. Querem a estabilida­de produzida pelo protecioni­smo e pelas reservas de mercado. E, como se viu com o que aconteceu com o InovarAuto, nada mais instável e inseguro do que programas eivados de protecioni­smo, num ambiente em que hoje prevalecem as cadeias globais de valor.

Dentro de 20 a 30 anos, que é o horizonte apontado por Schiemer, o mercado terá mudado substancia­lmente. Pretender agora assegurar o status quo implica entregar velharias ao final dos próximos 20 a 30 anos. Enfim, essa é a agenda do futuro que quer ser construída com a agenda do passado.

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MARCOS DE PAULA/ESTADÃO-26/1/2015 Rota 2030. Olho no retrovisor
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