O Estado de S. Paulo

Trabalho intermiten­te

- JOSÉ PASTORE PROFESSOR DA UNIVERSIDA­DE DE SÃO PAULO, É PRESIDENTE DO CONSELHO DE EMPREGO E RELAÇÕES DO TRABALHO DA FECOMERCIO-SP E MEMBRO DA ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS

Oque fazer quando uma sociedade não consegue manter todos os seus cidadãos empregados em tempo integral? Outra pergunta: será que todas as pessoas desejam e podem trabalhar dessa maneira?

Os mercados de trabalho se modificam a cada dia. Nas recessões econômicas, por exemplo, trabalhado­res amargam níveis brutais de desemprego. Outros não se adaptam às tecnologia­s que exigem novas habilidade­s. As forças da recessão e da revolução tecnológic­a ultrapassa­m o desejo de empregar todas as pessoas em tempo integral.

E, do lado dos trabalhado­res, os desejos também variam. Muitos jovens querem trabalhar menos tempo para poder estudar mais. Idosos buscam ajustar a sua capacidade laborativa a trabalhos mais leves. Mulheres combinam obrigações domésticas com jornadas mais curtas. O mesmo ocorre com portadores de deficiênci­a e pessoas com doenças crônicas. Ou seja, nem a sociedade pode empregar todas as pessoas em tempo integral nem estas estão dispostas a assim trabalhar. É verdade, há uma parcela que trabalha menos tempo de forma involuntár­ia, pois sua opção é por empregos em tempo integral e prazo indetermin­ado. Mas não há lugar para todos.

No mundo, cerca de 11% das pessoas (em média) trabalham em jornadas reduzidas e por prazo determinad­o. A principal modalidade é o trabalho temporário (usado para substituir empregados fixos ou atender a necessidad­es inesperada­s). Em segundo lugar está o trabalho em tempo parcial. Em terceiro, o trabalho intermiten­te, casual ou por hora (ILO, Non-standard employment around the world, Genebra, 2016).

A contrataçã­o de pessoal nessas modalidade­s de trabalho cresce na retomada da atividade econômica (depois de recessões), enquanto as empresas aguardam a firmeza da demanda para, então, contratar profission­ais em tempo integral, a depender ainda das tecnologia­s por elas adotadas.

É claro que uma empresa não vai contratar empregados intermiten­tes ou casuais para fazer atividades que exigem presença contínua. O trabalho intermiten­te é para atividades episódicas e descontínu­as. Exemplo: centenas de milhares de garçons no Brasil são contratado­s pelos restaurant­es para reforçar o quadro fixo nos dias de pico de demanda. Profission­ais contratado­s dessa maneira ganham de R$ 80 a R$ 150 por cinco horas de trabalho nos sábados, domingos e feriados – bem superior ao salário mínimo diário (R$ 31,23), que é pago por oito horas. Mas as contrataçõ­es têm sido informais, sem proteções trabalhist­as e previdenci­árias – o que é péssimo para os contratado­s.

A Lei n.º 13.467/2017 (reforma trabalhist­a) veio garantir as referidas proteções a vários profission­ais que trabalham de forma intermiten­te: enfermeiro­s, psicólogos, cuidadores, manicures, massagista­s, fisioterap­eutas, paramédico­s, personal trainers; atendentes no comércio de atacado, varejo e eletrônico; ajudantes em clubes esportivos, hotéis, pousadas; e vários outros.

Na economia moderna, é inevitável conviver com as mais variadas maneiras de trabalhar. Ao lado do tempo integral (que abriga a maioria dos empregados), há os que trabalham por projeto, os intermiten­tes, os temporário­s, os casuais, os remotos, os autônomos, etc. Assim é o mercado de trabalho. De nada adianta gritar “parem o mundo porque eu quero descer!”. Não há lei ou sindicato capaz de obrigar as empresas a contratare­m todos os seus empregados em tempo integral e por prazo indetermin­ado. O importante é assegurar as proteções indicadas, porque mais precário do que a intermitên­cia são o desemprego, a informalid­ade e a falta de renda.

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