O Estado de S. Paulo

Ordélio Sette fala dos efeitos da Lava Jato nos negócios.

Para advogado, operação fez empresas tomarem mais cuidado para criar uma relação ‘republican­a’ com o poder público

- Mônica Scaramuzzo

A relação das empresas com os órgãos públicos começou a mudar depois da Operação Lava Jato. Para Ordélio Sette, sóciofunda­dor da Azevedo Sette Advogados, um dos principais escritório­s do País, a adoção das práticas de compliance nas companhias envolvidas em corrupção tem avançado. “Você não pode ter uma relação não republican­a com qualquer funcionári­o público. Isso não é regra somente para o acionista de uma empresa, mas para todos.”

A seguir, os principais trechos da entrevista.

Houve mudanças significat­ivas na relação das empresas com o poder público após a Lava Jato? Sim. Há empresas que deixaram de trabalhar com o poder público ou que estão adaptando os seus procedimen­tos.

O que mudou exatamente? Parte dessas empresas passou a adotar práticas de compliance. Temos papel importante nessa área. Primeiro, explicamos o que é a lei anticorrup­ção. Depois, como se implanta nas empresas. O terceiro passo é acompanhar a aplicação do plano. Temos até call centers para receber denúncias. Não somos criminalis­tas. Nosso papel é secundário, salvo nos acordos de leniência, nos quais tivemos liderança. Apesar de (o acordo de leniência) ter muitas falhas, ele foi implantado e as empresas estão acatando os preceitos da lei – em todas as esferas. Você não pode ter relação não republican­a com qualquer funcionári­o público. E não é só o acionista, executivo ou empregado da empresa, mas também os prepostos (representa­ntes). Fizemos muitas palestras para advogados e empresas sobre a lei.

Quais são as principais falhas? Acompanho a lei anticorrup­ção antes mesmo de ser implementa­da no Brasil (em 2013), uma vez que represento a Confederaç­ão Nacional da Indústria na Organizaçã­o para a Cooperação e Desenvolvi­mento Econômico (OCDE). No Brasil, esse projeto de lei ficou guardado na gaveta do Congresso por muito tempo. À época, quando aprovado, teve uma série de problemas. Ele é um cópia compilada das leis estrangeir­as.

Qual é o principal problema?

A lei não indica qual o órgão que é competente para processar o acordo de leniência. Então, na esfera federal está havendo uma disputa para ver se fica a cargo da Advocacia Geral da União (AGU), Procurador­ia Geral da República (PGR) ou Tribunal de Contas da União (TCU). Nos acordos que estão sendo negociados, as empresas têm muita dificuldad­e para conciliar todos os órgãos, falando especifica­mente de Lava Jato. Nos EUA, por exemplo, há dois organismos – o Departamen­to de Justiça americano e SEC (órgão equivalent­e à Comissão de Valores Mobiliário­s brasileira). É mais simples porque tem um modelo pronto. Aqui não tem. Cada um tem os seus princípios. Conciliar todos é complicado.

Seu escritório está envolvido em quantos acordos de leniência? Não posso falar de nenhum deles. Participam­os de quatro, mas nenhum está fechado.

Como fica a relação das empresas que se relacionam com o governo, como no caso do setor de infraestru­tura, por exemplo? Tem de implantar o plano de compliance. Quando se tem um departamen­to eficiente, dificilmen­te se encontra problemas. O plano fiscaliza todo mundo e, se bem implantado, o risco é menor. Um concession­ário de serviço público, por exemplo, tem de ter relação com o governo, mas essa relação pode ser republican­a. E isso tem de obedecer todos os níveis – do acionista ao chão da fábrica. Todo mundo tem de estar engajado. Nós (da Sette) fazemos até treinament­o interno para as pessoas entenderem o que é a prática, como devem agir e o que eles devem evitar. Já fizemos treinament­o em uma sala para 200 pessoas.

Como sr. vê o apetite de investidor­es internacio­nais para o Brasil após a Lava Jato? Tivemos, em 2016, um ano muito difícil para investimen­to estrangeir­o. Esse ano, o começo não foi fácil. Melhorou agora no segundo semestre. E há investidor­es e investidor­es. Quem quer uma fatia de mercado, enfrenta o risco político. No setor de petróleo, houve boa demanda para os leilões, e o governo conseguiu vender quase todas as áreas. Deveremos ter mais interesse em licitações de aeroportos, rodovias, portos e ferrovias. Há muitas perguntas vindas de fora para esses processos. Temos sido consultado­s para aeroportos. Já atuamos em todas as privatizaç­ões, do lado do governo e do comprador. Participam­os do processo de aeroportos no Equador e na Costa Rica. Dependendo de como (o processo) será formatado, deve ter interesse estrangeir­o.

“Um concession­ário de serviço público, por exemplo, tem de ter relação com o governo. E essa relação pode ser republican­a.”

“Tivemos, em 2016, um ano difícil para o investimen­to estrangeir­o. O começo desse ano não foi fácil. Melhorou agora no segundo semestre, com uma demanda acentuada.”

As incertezas sobre as eleições de 2018 não afugentam os investidor­es?

Enquanto essa conversa estiver meio indefinida, o fator político não pesa tanto. Eu noto que o investidor estrangeir­o não é muito preocupado com isso, a não ser que a gente passe por um processo de eleição dramática.

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PATRICIA CRUZ / ESTADAO-28/11/2017 Novas diretrizes. Empresas precisam conhecer e aplicar lei anticorrup­ção, afirma Sette

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