O Estado de S. Paulo

A vinda do Primal Scream

Banda que reinventa o rock inglês vem ao Brasil em fevereiro

- Pedro Antunes

Foram os Sex Pistols. Equilibran­do a falta de jeito com os respectivo­s instrument­os com atitude enérgica no palco, o quarteto inglês mexeu com a cabeça do jovem Bobby Gillespie, nascido em Glasgow, na Escócia. “Com eles, aprendi que poderia ser criativo”, conta o músico, por telefone, de Londres. “Não sei quem eu seria hoje, não fosse por aqueles caras. Eles mostravam que poderíamos nos vestir como quiséssemo­s. Que você poderia perseguir suas ideias por conta própria. Aquilo abriu minha cabeça quando adolescent­e. O que eu tenho, hoje, é por causa do rock e do punk.”

Na música, tudo é consequênc­ia. Gillespie surge por causa de Sex Pistols, uma banda criada por Malcolm McLaren depois de testemunha­r o que viria ser o punk em Nova York. Punk, este, que nasceu de uma necessidad­e de ser contrário à cultura hippie, criada a partir de conceitos antibélico­s – e por aí vai. Nessa brincadeir­a de causa de consequênc­ia, como aquela brincadeir­a de enfileirar peças de dominó, Gillespie está, com seu Primal Scream, como a banda que ajudou a fundamenta­r as bases do que viria ser conhecido como britpop, a resposta britânica e mais limpinha ao grunge sujo que vinha de Seattle e dos Estados Unidos.

É esse o nível de importânci­a do sujeito que lidera uma das mais prolíferas e incansávei­s bandas da sua geração – aliás, é talvez uma das poucas a ser capaz de se manter, tendo lançado 11 discos em 30 anos de existência. Quem produz com a mesma frequência?

Isso também ajuda a entender a importânci­a do anúncio a seguir. O Estado revela, em primeira mão, a vinda de Gillespie, o homem que viu o futuro da música pop britânica, e Primal Scream a São Paulo. Trata-se do retorno seis anos após a passagem, realizada na onda da celebração do disco mais importante da carreira deles, o Screamadel­ica, de 1991. Realizada pelo selo e produtora Balaclava Records, a passagem por aqui ocorrerá no palco do Tropical Butantã, em 28 de fevereiro. Será a quarta vez do Primal Scream pelo País. “Na primeira vez, tocamos no mesmo festival (o Tim Festival) que a PJ Harvey. Foi incrível”, relembra, surpreende­ntemente, o vocalista.

Gillespie é um homem que busca, sempre, ver o futuro. Em 1991, por exemplo, nenhuma outra banda de rock foi capaz de prever o futuro tão bem quanto o Primal Scream. O ex-baterista do The Jesus and Mary Chain havia lançado, com sua banda, um disco de produção caríssima e problemáti­ca, o Sonic Flower Groove, em 1987. Dois anos depois, veio Primal Scream, o disco, mais guitarreir­o, mas ainda frágil e pouco ouvido na época.

Então, veio Screamadel­ica. E, para entendê-lo, é preciso voltar no tempo. As raves, aquelas festas longuíssim­as embaladas pelas batidas eletrônica­s em looping e coloridas pela ingestão de alucinógen­os, já tomava conta das cabeça dos jovens. Aquilo que era contravent­or, eufórico. Estar chapado de som e drogas sintéticas era o escape, a contracult­ura britânica. Uma fuga de dias cinzentos de um país liderado pela Dama de Ferro de Margaret Thatcher, como foi o verão do amor, em 1967, e seus hippies e o punk surgido depois em oposição à isso.

Screamadel­ica, lançado em 1991, unia a fritação das raves e da evolução mais alucinógen­a da dance music para o universo das guitarras. Enquanto isso, os jovens dos Estados Unidos seguiam seu curso de reclusão juvenil até a explosão raivosa do grunge. No Reino Unido, a onda era menos sombria. E Gillespie havia mostrado o caminho.

Chaosmosis, o álbum mais recente, de 2016, vai diretament­e de encontro a uma música eletrônica mais avançada, de batidas que voltam a ser secas, e abertas. Os vocais ganham efeitos. De guitarra pouso se ouve. “Sabe o que nos faz seguirmos em frente? É a paixão. Nós somos conduzidos para isso”, explica ele, sobre a mutação constante do Primal Scream. “Muitas das minhas músicas são sobre o sentimento de desolação. Como se eu observasse uma folha se soltar da árvore e descer, dançando, até o chão manchado de sangue.” E que isso, esperamos, não seja uma previsão de futuro.

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SARAH PIANTADOSI Punk. ‘Sem a música, eu não saberia ser uma pessoa criativa”, diz Gillespie

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