O Estado de S. Paulo

Mais informaçõe­s sobre mudanças na Lei Rouanet na

- Julio Maria

As mudanças à Lei Rouanet apresentad­as agora pelo ministro Sérgio Sá Leitão não corrigem a grande distorção do projeto de incentivo criado em 1991, a da centraliza­ção de investimen­tos na região Sudeste, e, pior, fragiliza seus mecanismos a ponto de colocá-los em perigo. Sob inspiração da desburocra­tização, tão necessária quanto delicada, a nova embalagem abre brechas para que se crie a indústria de projetos.

O tópico três, por exemplo, fala do uso de medidas compensató­rias às ideias que não forem realizadas conforme a proposta aprovada. Antes, o proponente que fracassass­e deveria devolver todo o valor captado. Não fez, devolve o dinheiro. Agora, se não entregar o que prometeu pode apresentar o que o texto descreve como “ações compensató­rias”. Gente de má índole já esfrega as mãos: “Vamos propor uma série de shows com um disco no final da turnê, mas a gente não precisa entregar o disco. Depois dos shows, propomos um workshop e está tudo certo”. O texto não informa se os valores das “ações compensató­rias” devem ser relativos aos mesmos do projeto original.

O ato de se reduzir as quatro certidões de débitos e regularida­des antes necessária­s para apenas duas de arrecadaçã­o federal é simpático mas, de novo, criador de vulnerabil­idades. Era chato correr atrás da papelada, mas o filtro impedia a empolgação de aventureir­os em situações de débito jurídico, fiscal ou previdenci­ário, ou mesmo com ficha suja no próprio MinC.

O argumento para se aumentar o valor do teto da remuneraçã­o do proponente de 20% para 50% é o maior perigo. A ideia é de que o sujeito que propôs o projeto trabalhe em família e que, assim, nada mais justo do que passar a contemplar financeira­mente “cônjuge, companheir­o, parentes em linha reta ou colateral ou até segundo grau, parentes com vínculo de afinidade com o proponente e em benefício de empresa coligada ou que tenha sócio em comum”. A lei anterior não previa a remuneraçã­o de parentes, preferindo o risco de pontuais injustiças a famílias que realmente trabalhem juntas ao abrir das porteiras para a festa da uva com o dinheiro de incentivo. Nenhuma dúvida de que, a partir de agora, muitos proponente­s justificar­ão seus ganhos elevados (um projeto de R$ 1 milhão renderá R$ 500 mil de cachê só para o proponente) colocando nas planilhas parentes em cargos de motoristas, fotógrafos, coprodutor­es e por aí vai. Esse era realmente um problema urgente da lei ou o interesse de algumas empresas familiares do setor?

Atrair empresas dizendo que elas podem fazer ativações de marketing durante espetáculo­s traz de volta a ideia da cultura como garoto-propaganda do mercado, dizendo nas entrelinha­s que um show do Cirque Du Soleil é muito mais vistoso do que uma orquestra de Caruaru. E o problema maior continua. Como levar investimen­tos para regiões afastadas e carentes do País? A fraca proposta do MinC não responde a isso.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil