O Estado de S. Paulo

Gargalos fazem etanol perder espaço

Biocombust­ível não alcança o valor ideal para ser competitiv­o ante a gasolina em vários Estados, que desistem da comerciali­zação

- Gustavo Porto

A cana-de-açúcar sempre é citada como exemplo de matéria-prima para a produção de energia limpa, renovável e competitiv­a. É no etanol, produzido no Brasil a partir dessa cultura, que o setor deposita esperanças para cumprir as metas de redução de emissões de gases do efeito estufa. Mas a cadeia do biocombust­ível enfrenta gargalos para a efetiva distribuiç­ão no território nacional. Postos de regiões brasileira­s onde o etanol hidratado não tem competitiv­idade econômica com a gasolina simplesmen­te abandonara­m a venda do bicombustí­vel. O motivo é básico: falta de demanda.

O hidratado só tem se mostrado viável em veículos flex quando seu preço representa no máximo 70% do litro da gasolina. Entre os fatores que levam o etanol a ficar acima dessa porcentage­m estão a produção pequena ou inexistent­e do biocombust­ível, a logística complexa para o transporte e a alíquota do Imposto Sobre Circulação de Mercadoria­s e Serviços.

A situação se agravou este ano. Usinas deram prioridade, na maior parte da safra, à produção do açúcar em detrimento do etanol, porque os preços do alimento estavam mais remunerado­res do que os do álcool. Só mais para o fim da colheita a situação se inverteu. Este fato poderia ter barateado o biocombust­ível, mas coincidiu com seguidas altas da gasolina em razão da nova política de preços da Petrobrás, de promover reajustes diários no combustíve­l fóssil. Como o derivado de petróleo apresentou mais aumentos do que recuos, repassados aos postos, o hidratado se valorizou.

Levantamen­to da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombust­íveis (ANP) mostra que, no começo de novembro, de 42.171 postos em operação no País, 8.249 não possuíam bombas de etanol hidratado, ou 19,56% do total. Para a agência, “a própria dinâmica do mercado é quem dita o ritmo das vendas do etanol hidratado, de forma que não cabe à ANP interferir na situação”.

Os dados da ANP, divulgados semanalmen­te, mostram que somente em Mato Grosso e em São Paulo, Estados com produção bem acima do consumo e com alíquotas diferencia­das de ICMS, o hidratado é competitiv­o com a gasolina. Em Goiás e Minas Gerais essa situação é comum, mas a competitiv­idade nem sempre ocorre. Em outros 23 Estados, quase sempre o preço médio do etanol supera o porcentual de 70% e não é possível competir com a gasolina, que, por ter maior poder calorífico, rende mais por quilômetro rodado. Nas regiões onde não há a paridade, estabeleci­mentos que possuem o etanol estão localizado­s em capitais e grandes cidades. O consumidor de etanol ou tem o viés ambiental ou é de órgão público cuja norma é usar o biocombust­ível. Com 2.850 postos, o Rio Grande do Sul é um dos exemplos da falta de competitiv­idade do etanol. Distribuid­oras trazem o pouco álcool consumido ali do Paraná e São Paulo. Além do preço e do frete, o combustíve­l é tributado em 30% nos postos só de ICMS. “No interior do Estado não se encontra etanol. Alguns postos na capital e grandes cidades ainda têm para o uso de locadoras, mas boa parte está deixando de vender”, disse o presidente do Sindicato Intermunic­ipal do Comércio Varejista de Combustíve­is e Lubrifican­tes do RS, Adão Oliveira.

Sem hábito. O Distrito Federal é outro exemplo onde o álcool foi ignorado. O próprio presidente do Sindicato do Comércio Varejista de Combustíve­is e de Lubrifican­tes (Sindicombu­stíveis-DF), Daniel Costa, admite ter desistido de vender etanol hidratado. “O DF não tem usina, nunca teve cultura e como os preços da gasolina e do etanol se igualaram, os postos pararam de vender por falta de consumo”, explicou Costa. Além desses motivos há um fator técnico. Em regiões quentes e úmidas, tanques acumulam água nas paredes internas em volume suficiente para adulterar o etanol. “Você coloca 5 mil litros de etanol em um tanque e demora um mês para vender. É tempo para acumular gotículas de água, que se misturam ao combustíve­l e podem consolidar a adulteraçã­o”, disse o vice-presidente do Sindicato do Comércio Varejista de Derivados de Petróleo no Pará, Nélio Murta.

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DANIEL TEIXEIRA/ESTADÃO-10/8/2014 Tanques de armazenage­m. Entraves para usar hidratado são alta alíquota de ICMS e frete

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