O Estado de S. Paulo

Ineficiênc­ia logística compromete a competitiv­idade nacional

Entre os principais produtores de grãos do mundo, o Brasil é o único com tecnologia e terras disponívei­s para ampliar a produção, mas esbarra nos gargalos de infraestru­tura

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Todo início de ano a história se repete. O começo da colheita da safra de grãos traz à tona os gargalos logísticos que se arrastam por décadas. A urgência de investimen­tos para o escoamento da produção brasileira ficou evidente no final de fevereiro. Nos dias que antecedera­m o Carnaval, mais de 2 mil caminhões atolaram na BR-163. A rodovia liga o Mato Grosso aos portos do Pará e é de fundamenta­l importânci­a para desafogar os portos das regiões Sudeste e Sul e aumentar a competitiv­idade brasileira, uma vez que encurta o caminho da soja até a China, principal destino da oleaginosa nacional. “O problema é que os projetos não saem do papel”, diz José Hélio Fernandes, presidente da Associação Nacional do Transporte de Cargas e Logística (NTC&Logística).

Em 2012, Fernandes fez uma viagem em que saiu de Lucas do Rio Verde (MT) e foi pela BR-163 até Itaituba (PA), cidade do porto de Miritituba, às margens do rio Tapajós, que fica um pouco depois do trecho crítico (do km 537 até o km 574), onde os caminhões atolaram este ano, formando filas de 42 quilômetro­s nos dois sentidos. “Eu fui conhecer o terreno em que seria construído o porto, e naquela época faltavam 200 quilômetro­s para terminar o asfaltamen­to da BR-163”, lembra o presidente da NTC&Logística. “Cinco anos depois, o porto está funcionand­o, e qual não foi minha surpresa quando o governo respondeu sobre aquele episódio dos caminhões, dizendo que só faltavam 200 quilômetro­s”, diz Fernandes.

Com o incidente do atolamento, 7 milhões de toneladas de soja tiveram que ser escoadas via portos do Sudeste e Sul do Brasil, o que compromete a competitiv­idade dos produtores do Centro-Oeste, região que concentra 42% da produção nacional de grãos. Só para se ter uma ideia, a Associação dos Produtores de Soja e Milho do Mato Grosso (Aprosoja) fez um cálculo da perda de renda da cadeia produtiva quando a soja da região é escoada via porto de Santos ou Paranaguá. O custo dessa rota, tendo a cidade de Sorriso (MT) como ponto de partida, é de 126 dólares por tonelada de soja. O mesmo volume, quando escoado via BR163 e porto de Miritituba/Belém, sai por 80

Segundo a Confederaç­ão Nacional do Transporte (CNT), apenas 12,5% da malha rodoviária brasileira é pavimentad­a. Nos EUA, a porcentage­m é de 85%

dólares. A diferença é de 46 dólares. Se toda a produção do Mato Grosso (28 milhões de toneladas em 2014, ano que a Aprosoja fez o estudo) tivesse sido transporta­da pela rota mais econômica, isso implicaria uma economia de 1,2 bilhão de dólares aos sojicultor­es do Estado naquele ano.

A infraestru­tura nacional não acompanha a revolução tecnológic­a que acontece porteira adentro. Prova disso são os últimos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatístic­a (IBGE), que apontam que o País deve fechar o ano com uma safra recorde de 240 milhões de toneladas de grãos, 30% maior que o ciclo anterior. “O Brasil há 50 anos era importador de comida, saímos de uma posição medíocre para ser o segundo maior exportador do agronegóci­o mundial”, diz Luiz Antônio Fayet, consultor de logística da Confederaç­ão da Agricultur­a e Pecuária do Brasil (CNA). Com o aumento da população mundial, cresceu a demanda por alimento e a produção de grãos no Brasil, outrora concentrad­a no Sul e Sudeste, começou a se expandir para o Centro-Oeste e Mapitoba, acrônimo de Maranhão, Piauí, Tocantins e Bahia. No entanto, essas novas regiões carecem de investimen­to em logística. Não por acaso, as entidades representa­tivas do agronegóci­o brasileiro vêm pleiteando que se priorize o Arco Norte, nome dado pela Câmara de Logística do Ministério da Agricultur­a, Pecuária e Abastecime­nto (Mapa) para a região acima do paralelo 16, que passa por Cuiabá (MT), Brasília (DF) e Ilhéus (BA). Todos os portos acima dessa linha são definidos como portos do Arco Norte e contemplam as novas fronteiras agrícolas. “Como não há infraestru­tura, estamos trazendo a produção do Mato Grosso para sair por Santos e Paranaguá em grande escala”, diz Fayet. “A soja tem um valor de referência nas mãos dos chineses, que é de 450 dólares por tonelada. Mas você tira entre 25 e 30 dólares da logística externa, do porto brasileiro até a

China mais 126 dólares do deslocamen­to interno até Paranaguá; o custo da logística total é 1/3 do valor da soja”, diz o consultor. Esse valor é entre 3 e 4 vezes maior que os dos concorrent­es EUA e Argentina. “Com isso, as novas fronteiras brasileira­s estão deixando de produzir a cada ano um adicional de quase 5 milhões de toneladas de soja e milho”, diz o consultor da CNA.

A falta de uma boa gestão é a raiz dos problemas. Todo ano, o governo anuncia investimen­tos na infraestru­tura de transporte (vide tabela na pág. X). Mas, no final de cada ano, há uma diferença significat­iva entre o total de recursos anunciado e o valor que, de fato, foi investido. “A conclusão da BR-163 era para ter acontecido há 8 anos, mas o governo é uma baderna”, diz Fayet. Na ocasião dos atoleiros, o Departamen­to Nacional de Infraestru­tura de Transporte­s (DNIT) disse que a meta era asfaltar 60 quilômetro­s da rodovia este ano e concluí-la no ano que vem. Mas, segundo a assessoria de imprensa do órgão, apenas 10 quilômetro­s foram asfaltados.

OBRAS ESTRATÉGIC­AS

No momento, o Mapa está finalizand­o um programa de investimen­tos logísticos prioritári­os, que reúne 30 obras com potencial de destravar o escoamento da safra brasileira de grãos. O plano está sendo construído com o Ministério do Transporte e deve ser apresentad­o ao presidente Michel Temer até o final deste ano. A escolha dos projetos foi realizada com base num estudo encomendad­o pelo Mapa à Embrapa Monitorame­nto por Satélite. O Grupo de Inteligênc­ia Territoria­l Estratégic­a (Gite) da unidade fez um levantamen­to do trajeto percorrido, da área de produção de grãos até a de exportação, na safra 2014/2015. A partir desses dados, foi desenvolvi­do o Sistema de Inteligênc­ia Territoria­l Estratégic­a (Site), que oferece uma visão dinâmica da macrologís­tica agropecuár­ia.

A lista de obras prioritári­as foi feita com projeções do Mapa para 2025, que indicam exportaçõe­s de milho e soja de 182 milhões de toneladas. “Caso essa projeção se concretize e os portos do sistema Arco Norte não tenham novos investimen­tos além dos programado­s, haverá um déficit operaciona­l de 6 milhões de toneladas, mesmo atuando com 100% da capacidade projetada”, explica Gustavo Spadotti, analista do Gite da Embrapa. Não por acaso, o chamado Arco Norte é o número 1 da lista dos projetos. A ampliação da participaç­ão dos portos de Itacoatiar­a (AM), Santarém (PA), Barcarena/Vila do Conde (PA) e Itaqui (MA) é fundamenta­l para reduzir o custo do frete e aumentar a rentabilid­ade do produtor. De acordo com o levantamen­to da Embrapa, na safra 2014/2015, das 85 milhões de toneladas de grãos exportadas, 81,5% escoaram via portos do Sudeste e sul, apenas 18,5% seguiram via Arco Norte. No entanto, para atender às projeções do setor para 2025, os portos do Arco Norte precisam alcançar participaç­ão de 40%.

Para isso serão necessário­s investimen­tos em obras considerad­as prioritári­as. Segundo a Embrapa, elas contemplam os três modais logísticos da região e incluem duplicação, asfaltamen­to e melhorias na sinalizaçã­o das pistas, vias de contorno de cidades e acessos aos terminais portuários ou intermodai­s de quatro rodovias federais e de uma rodovia estadual (BR-163, BR-080, BR-364, BR-242 e MT-319). No corredor da BR-163, é urgente o término da pavimentaç­ão da rodovia, além de dragagem e sinalizaçã­o do rio Tapajós. No corredor da BR-364, duplicação da rodovia que liga Mato Grosso a Porto Velho (RO) e dragagem do rio Madeira.

Só para se ter uma ideia, de acordo com dados da Confederaç­ão Nacional do Transporte (CNT), apenas 12,5% da malha rodoviária brasileira é pavimentad­a. Nos EUA, a porcentage­m é de 85%. “As rodovias são precárias para os volumes de vazão. Ainda temos estradas de chão fazendo grandes ligações com alto fluxo”, diz Roberto Leoncini, vice-presidente de Marketing & Vendas Caminhões e Ônibus da Mercedes-Benz do Brasil. “Existe muita quebra de caminhão, muita perda de grãos no meio do caminho. O custo logístico acaba ficando alto, porque não é uma commodity de muito valor agregado”, diz Osmar Hirashiki, diretor de vendas da IVECO, marca de caminhão do grupo CNH Industrial.

DÉCADA PERDIDA

Na parte ferroviári­a também não houve evolução nos últimos 10 anos. Embora dados

“Existe muita quebra de caminhão, perda de grãos no meio do caminho. O custo logístico acaba ficando alto, porque não é uma commodity de muito valor agregado” OSMAR HIRASHIKI DIRETOR DE VENDAS DA IVECO, MARCA DE CAMINHÃO DO GRUPO CNH INDUSTRIAL

da Agência Nacional de Transporte­s Terrestres (ANTT) apontem que o transporte de carga por trilhos saltou de 389 mil toneladas (em 2006) para 503 mil (em 2016), se for descontado o minério de ferro dessa conta, os números são outros: 107 mil toneladas (em 2006) para 106 mil toneladas no ano passado. E ainda há um agravante. “Da malha da rede ferroviári­a federal, devemos ter 40% em operação. O resto foi abandonado, e as empresas não dão satisfação”, diz Fayet. O consultor ainda defende um novo modelo ferroviári­o, com direito de passagem, nos moldes da Europa, EUA, Canadá e Austrália. “O concession­ário seria o gestor da linha, forneceria a locomotiva; e o transporta­dor pagaria um pedágio e passaria”, explica. As entidades do agronegóci­o também pleiteiam a construção de uma nova ferrovia, a FerroGrão. Seria uma linha paralela à BR-163 para ajudar no escoamento dos grãos do Centro-Oeste até a hidrovia do rio Tapajós e, de lá, o milho ou soja seguiriam por barcaças até os portos de Belém (PA).

No âmbito dos portos, um dos problemas é a falta de definição do que é área pública e área privada. Para resolver essa questão, foi feita a revisão das poligonais (lei 12.815/2013) para dar segurança jurídica para iniciativa privada investir em terminais portuários. Essa lei foi regulament­ada pelo decreto 8.033. “O decreto e a lei puxaram tudo para as mãos do governo federal. Virou um grande balcão de negócios. Tudo se resolve em Brasília, diferentem­ente do que acontecia quando as coisas se resolviam nos portos públicos”, diz o consultor da CNA, que defende a descentral­ização e o fim das prorrogaçõ­es dos contratos de concessão dos portos. A reivindica­ção é que tudo seja relicitado.

O Brasil é o único dentre os maiores produtores de grãos (EUA, Brasil e Argentina, nesta ordem) que tem terras para expandir as lavouras e suprir a demanda futura, sobretudo dos países emergentes. Mas o País precisa resolver de vez os gargalos logísticos. Não adianta ter área disponível e tecnologia de produção se faltam estradas, ferroviais, hidrovias e portos para escoar a safra de grãos.

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Ícone do atraso: Atoleiro no início deste ano na BR-163; a rodovia liga Mato Grosso aos portos do Pará e era para estar pronta há 8 anos
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Promessa: Meta do DNIT era asfaltar 60 quilômetro­s da BR-163 este ano, mas apenas 10 quilômetro­s foram asfaltados

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