O Estado de S. Paulo

Carta mira a classe média

2018. Ex-presidente tenta recuperar apoios no segmento que culpa o PT pela crise e busca demarcar diferenças com governo Dilma, escolhida por ele para a sua sucessão em 2010

- Ricardo Galhardo / COLABOROU IGOR GIANNASI

Lula prepara nova versão da Carta ao Povo Brasileiro. O texto tem por objetivos resgatar a confiança da classe média e firmar compromiss­o com a responsabi­lidade fiscal.

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, pré-candidato ao Planalto, prepara uma nova versão da Carta ao Povo Brasileiro. Segundo interlocut­ores de Lula, o alvo agora, ao contrário de 2002, não é o mercado financeiro, mas a classe média que culpa os governos do PT pela crise econômica. Lula quer fugir do rótulo de populista reafirmand­o um compromiss­o com a responsabi­lidade fiscal.

“Esta carta não será como a outra, que foi mais dirigida ao mercado. Desta vez a ideia é dialogar com o povo brasileiro”, disse o presidente do Instituto Lula, Paulo Okamotto.

Em conversas com colaborado­res, o ex-presidente tem se referido à ideia como “uma Carta ao Povo Brasileiro só que para o povo brasileiro mesmo”.

Durante a vitoriosa campanha presidenci­al de 2002 Lula lançou a Carta ao Povo Brasileiro na qual, em síntese, se comprometi­a a manter os fundamento­s da estabilida­de econômica depois de décadas de confronto com o grande capital. O alvo era o mercado financeiro.

Em encontro com o PT de São Paulo, ontem, o ex-presidente disse que é alvo de “terrorismo de mercado” e que seus adversário­s “estão criando uma guerra de classes”.

Na semana passada a XP Investimen­tos divulgou relatório que aponta risco de queda da Bolsa e alta do dólar em caso de vitória de Lula. O PT avalia que parte da classe média é sensível a essa narrativa. O petista, no entanto, minimiza o poder da banca. Ontem, na reunião com o PT paulista, ele disse que “o mercado não vota”. Por isso o alvo agora é próprio eleitorado.

A nova carta ainda não tem data para ser lançada e nem mesmo começou a ser rascunhada. Segundo pessoas que conversara­m com Lula sobre o assunto, o petista quer mostrar que, embora o contexto político e econômico seja muito diferente de 2002, a responsabi­lidade com a condução econômica é um princípio pessoal.

Para isso, Lula vai listar fatos de seus dois governos, como os seguidos superávits fiscais além da meta, trajetória de queda da dívida pública, obtenção do chamado “grau de investimen­to”, recordes de valorizaçã­o de ações na Bolsa e aumento das reservas cambiais.

“Ninguém pode dizer que sou irresponsá­vel. O mercado sabe disso”, tem dito Lula com certa frequência.

Governo Dilma. Além disso o petista deve demarcar as diferenças na condução da economia entre seus governos e os da presidente cassada Dilma Rousseff. Um colaborado­r de Lula destacou que os números da economia saíram de controle no governo Dilma.

O petista ainda não escalou o time que vai redigir a carta, mas, de acordo com colaborado­res próximos, já falou sobre o assunto com o ex-presidente do PT Rui Falcão, o ex-ministro da Fazenda Nelson Barbosa e o exprefeito de São Paulo Fernando Haddad, entre outros.

Outra estratégia de Lula para reduzir as desconfian­ças quanto à condução econômica em um possível terceiro mandato é a tentativa de reeditar a vencedora chapa trabalho/capital. Em vez de José Alencar, seu parceiro em 2002, morto em 2011, o petista tenta convencer o filho do ex-vice-presidente, o empresário Josué Gomes da Silva.

Durante a passagem da caravana de Lula por Montes Claros (MG), Josué foi alvo de comentário­s e brincadeir­as sobre sua disposição de concorrer em 2018 como vice de Lula. Em 2014 ele concorreu ao Senado pelo PMDB de Minas. Segundo dirigentes do PT, Josué teria sinalizado que pretende voltar a disputar o Senado. Um dos entraves para que ele seja o “vice dos sonhos” é a filiação partidária.

Lula lidera as pesquisas eleitorais em todos os cenários mas pode ficar inelegível caso o Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4) confirme a sentença de primeira instância que o condenou a 9 anos e meio de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso do triplex do Guarujá. ‘Verdades alternativ­as’. O cientista político e professor da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, Hilton Cesario Fernandes, observa que a base eleitoral de Lula também sofreu diversas mudanças após sua primeira vitória. “A classe média se distanciou e formou a base da insatisfaç­ão popular que culminou na saída de Dilma em 2016, uma presidente mal avaliada mesmo entre as classes mais baixas”, disse.

“Neste contexto, uma nova Carta aos Brasileiro­s soa como uma tentativa anacrônica de repetir os passos que levaram o PT ao governo federal pela primeira vez. Resta saber, entretanto, se o partido irá apresentar novas lideranças e propostas ou se continuará a oferecer verdades alternativ­as sobre o passado recente.”

Diálogo “Esta carta não será como a outra, que foi mais dirigida ao mercado. Desta vez a ideia é dialogar com o povo brasileiro.” Paulo Okamoto PRESIDENTE DO INSTITUTO LULA

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DANIEL TEIXEIRA/ESTADÃO ‘Campanha’. Lula durante o lançamento da pré-candidatur­a de Luiz Marinho ao governo de São Paulo, em São Bernardo

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