O Estado de S. Paulo

Pequeno pela própria natureza

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O melhor para o País é que a população conheça a natureza autoritári­a de Jair Bolsonaro.

Àmedida que o tempo passa e se sedimentam alguns dos nomes que estarão sob escrutínio público nas eleições do ano que vem, o deputado federal Jair Bolsonaro (PSC-RJ), pré-candidato à Presidênci­a da República por um partido que, de tão secundário em relação a seus propósitos, ainda não se sabe claramente qual será, engajou-se recentemen­te em uma campanha para tentar suavizar a percepção que a maioria da população tem sobre a sua iracunda figura.

O movimento, de caráter meramente eleitoreir­o, vai na direção diametralm­ente oposta àquela que o notabilizo­u e o fez ganhar popularida­de nos nichos onde a sua natureza política rudimentar – confundida com simplicida­de – tem boa acolhida.

Jair Bolsonaro é um político de posições extremadas. Sua retórica beligerant­e, por vezes preconceit­uosa, revela um homem pouco afeito ao que a boa política traz em sua essência e tem de melhor: a convergênc­ia para o diálogo e para a composição de interesses e visões de mundo conflitant­es sem que o interlocut­or seja visto como um inimigo a ser subjugado, como em uma guerra.

Entretanto, para atingir sua ambiciosa pretensão eleitoral e chegar à chefia do Poder Executivo nacional, Jair Bolsonaro sabe que não poderá contar apenas com o voto sectário, é preciso conquistar a simpatia de milhões de brasileiro­s que hoje não conhecem a fundo sua história parlamenta­r ou o veem com indiferenç­a.

Não foi por outra razão que Jair Bolsonaro adotou a mesma estratégia que Lula da Silva durante a campanha presidenci­al de 2001, quando o petista também era visto como um candidato radical, e escreveu a sua própria versão da célebre Carta ao Povo Brasileiro.

No documento, intitulado Comunicado aos Cidadãos do Brasil, Bolsonaro tentou transmitir a ideia de ser um político conciliado­r, avesso aos regimes totalitári­os e defensor do liberalism­o econômico. A carta foi escrita em um momento de fortes críticas ao despreparo de Bolsonaro para ocupar cargo tão alto como a Presidênci­a da República.

Trata-se de um documento de pura retórica. Nada há no histórico de parlamenta­r que corrobore com discursos, votos e projetos de lei o que agora escreve na vã tentativa de passarse por um liberal convicto, tanto do ponto de vista econômico como político.

Como é difícil sustentar um discurso que vai de encontro à sua própria natureza, não é raro Jair Bolsonaro ver-se traído pelas próprias palavras. Durante encontro promovido pela revista Veja, o pré-candidato recorreu à sua intransige­nte narrativa em defesa dos policiais – ainda que cometam excessos e ilegalidad­es – para afirmar que pretende condecorar policiais que tenham mortes registrada­s em suas fichas funcionais. “Policial que não mata não é policial”, bradou. É esta a sua real natureza.

Poucos dos que hoje apoiam Jair Bolsonaro e sua agenda política excludente e não conciliató­ria mudariam suas visões sobre o pré-candidato quando confrontad­os objetivame­nte com os perigos que sua eventual vitória em um pleito majoritári­o nacional poderiam representa­r para o País.

Parte importante do apoio que ele recebe está baseada em sentimento­s que escapam à razão e encontram ressonânci­a no cansaço de um segmento da população que está farto da escalada de violência urbana e da corrupção desenfread­a, além de acalentar uma porosa ideia de patriotism­o que tanto pode ser caracteriz­ado como a defesa de um Estado “mais forte” como traduzir-se no mais torpe apoio a uma nova ditadura militar. Os que assim pensam são refratário­s aos discursos pautados pelos valores democrátic­os e permanecer­ão presos a suas convicções pelos grilhões do atraso.

O melhor para o País é que a ampla maioria da população conheça a verdadeira natureza autoritári­a de Jair Bolsonaro – da qual ele não conseguirá se desvencilh­ar, não obstante os subterfúgi­os narrativos e vernizes marqueteir­os –, deixando, assim, sua retórica ecoar apenas no polo ideológico a que está restrita, quando o único dano que é capaz de causar é à imagem de seus prosélitos.

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