O Estado de S. Paulo

O caminho para a reaproxima­ção não será simples

- Lincoln Secco É PROFESSOR DE HISTÓRIA CONTEMPOR­NEA NA USP.

Apesar de seu berço simbólico ter sido o ABC da classe operária paulista, o PT nasceu como um partido policlassi­sta. Ainda assim, o seu radicalism­o verbal afastava tanto trabalhado­res sem tradição sindical quanto as classes médias.

Foi só diante da insatisfaç­ão com o segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso que o partido ampliou seu apoio entre os mais pobres. E em 2002 ganhou o respaldo dos estratos médios. A aliança, todavia, não resistiu ao escândalo do mensalão e, no segundo mandato de Lula, às suas políticas sociais que modificara­m o padrão de classes no Brasil e geraram uma crise cultural que o cinema nacional tem retratado.

O cresciment­o econômico garantiu o aumento dos gastos sociais e o apoio dos de baixo. E a manutenção de uma política macroeconô­mica conservado­ra, a anuência dos de cima. Mas entre os dois extremos, as camadas médias sofreram a inflação dos preços dos serviços domésticos sem uma melhoria dos serviços públicos.

A insatisfaç­ão explodiu em 2013. Dali em diante o PT agiu como biruta de aeroporto. De acordo com a ventania diminuía e aumentava a taxa Selic; era radical no segundo turno de 2014 para em seguida implementa­r um programa neoliberal.

O caminho para a reaproxima­ção com a classe média não será simples. Exige mais que um acerto de contas com as alianças corruptas e uma crítica do segundo mandato de Dilma. Se é verdade que a classe média progressis­ta dos anos 1980 se deslocou para manifestaç­ões de preconceit­o, a reaproxima­ção com a esquerda não depende só de pedidos de desculpas “republican­os”.

Oferecer aos setores médios uma educação política aliada à expectativ­a de retorno pelos impostos pagos e aos mais pobres a esperança de ascensão social sempre foi o dilema da esquerda. Porque implica tributar o grande capital.

Lula poderá recordar 1989 ou 2002. Namorar o perigo ou ser o conciliado­r nacional. O problema é que sem o antigo ciclo virtuoso das commoditie­s o cobertor ficou curto demais. Não há orçamento para acomodar todo mundo.

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