O Estado de S. Paulo

Um general com discurso islamofóbi­co

Trump contratou Michael Flynn, apesar de alerta de Obama, que o demitiu por seu ‘frágil apego à verdade’

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Michael Flynn ocupou uma das posições mais importante­s do governo americano e trabalhava a poucos passos do Salão Oval ocupado pelo presidente Donald Trump. General da reserva, ele se aproximou do candidato em 2015 e ganhou espaço cada vez maior na campanha, durante a qual professou visões islamofóbi­cas e disseminou teorias conspirató­rias.

Na Convenção do Partido Republican­o, que oficializo­u a candidatur­a de Trump, em julho de 2016, Flynn foi o orador que estimulou os gritos de “Prendam ela!”, dirigidos pela plateia à democrata Hillary Clinton. A candidata foi investigad­a pela suspeita de colocar em risco informaçõe­s confidenci­ais ao decidir usar um servidor privado de internet no Departamen­to de Estado, mas foi isentada de responsabi­lidade no encerramen­to do caso.

“Se eu tivesse feito um décimo do que ela fez, estaria hoje na prisão”, disse Flynn na época. Ontem, depois de se declarar culpado de mentir ao FBI, o general da reserva encontrou manifestan­tes que gritavam: “Prendam ele!”.

Além da visão negativa do islamismo, Flynn compartilh­ava com Trump a simpatia pela Rússia e a convicção de que os EUA deveriam cooperar com o país na luta contra o terrorismo. Em dezembro de 2015, ele participou em Moscou da celebração do 10.º aniversári­o da Russia Today, rede de TV que é considerad­a um braço de propaganda do Kremlin. Flynn recebeu US$ 45 mil para discursar no evento, no qual se sentou ao lado do presidente russo, Vladimir Putin.

A Rússia não era o único país estrangeir­o com o qual o general da reserva manteve contatos durante a campanha. No acordo de delação premiada divulgado ontem, ele admitiu ter mentido sobre os termos de contrato de US$ 530 mil pelo qual se compromete­u a defender interesses da Turquia nos Estados Unidos.

O trabalho foi realizado entre agosto e novembro de 2016, período no qual Flynn recebia relatórios confidenci­ais do governo americano dados à cúpula das campanhas democrata e republican­a nos meses que antecedera­m a eleição. O contrato com a Turquia foi rescindido em 15 de novembro, três dias antes de ele ser apontado como futuro chefe do Conselho de Segurança Nacional da Casa Branca.

Em 8 de novembro, quando os americanos foram às urnas, o website The Hill publicou artigo no qual Flynn fazia uma defesa incondicio­nal do presidente Recep Tayyip Erdogan e justificav­a sua repressão a opositores e dissidente­s. “Nós temos de começar a entender que a Turquia é vital para os interesses dos EUA”, escreveu.

A legislação americana exige que atividades de lobby em favor de governos estrangeir­os sejam registrada­s no Departamen­to de Justiça. Flynn só realizou o processo em março e, mesmo assim, forneceu informaçõe­s falsas ao governo.

O general da reserva serviu por 30 anos no Exército. Em 2012, ele foi nomeado pelo expresiden­te Barack Obama para a chefia da Agência de Inteligênc­ia de Defesa, da qual foi demitido dois anos depois por incompetên­cia e pelo “frágil apego à verdade”. A partir daí, começou a professar visões cada vez mais extremas em relação a muçulmanos.

“Nós estamos enfrentand­o outro ‘ismo’, da mesma forma que enfrentamo­s o nazismo, o fascismo, o imperialis­mo e o comunismo”, declarou em palestra proferida em agosto de 2016. “Ele é o islamismo, um câncer insidioso no corpo de 1,7 bilhão de pessoas neste planeta e ele tem de ser extirpado.” No encontro que teve com Trump logo depois da eleição, Obama alertou o sucessor sobre Flynn e recomendou que ele não participas­se do governo. O bilionário ignorou o conselho.

“Estamos enfrentand­o outro ‘ismo’, da mesma forma que enfrentamo­s o nazismo e o comunismo. “Ele é o islamismo, um câncer insidioso no corpo de 1,7 bilhão de pessoas neste planeta e tem de ser extirpado” Michael Flynn

GENERAL DA RESERVA

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