O Estado de S. Paulo

O populismo plutocráti­co

- FAREED ZAKARIA TRADUÇÃO DE CLAUDIA BOZZO / É COLUNISTA

Observando a corrida do plano fiscal republican­o pelo Congresso, somos lembrados da grande diferença aparente entre o programa de Donald Trump e outros movimentos populistas no mundo ocidental. Nos Estados Unidos, Trump vem liderando algo que pode ser mais bem descrito como populismo plutocráti­co, uma mistura de causas populistas tradiciona­is com outras extremamen­te libertária­s.

Os grupos de altos estudos do próprio Congresso – o Comitê Conjunto de Tributação e o Escritório de Orçamento do Congresso – calculam que, em dez anos, as pessoas que ganham entre US$ 50 mil e US$ 75 mil (aproximada­mente a renda média nos Estados Unidos) efetivamen­te pagariam a soma de US$ 4 bilhões a mais em impostos, enquanto as pessoas que ganham US$ 1 milhão ou mais pagariam US$ 5,8 bilhões a menos, segundo a conta do Senado.

E isso não leva em conta os imensos cortes em serviços, atendiment­o médico e outros benefícios que provavelme­nte seriam afetados. Martin Wolf, o moderado comentaris­ta, chefe de economia do Financial Times, conclui: “Este é um esforço determinad­o para transferir recursos da distribuiç­ão de renda dos Estados Unidos, dos níveis mais baixos, médio e até mesmo médio alto para os muito elevados, combinado com enormes aumentos de inseguranç­a econômica para a grande maioria”.

O intrigante, diz Wolf, é saber por que esta é uma estratégia politicame­nte bem-sucedida. O Partido Republican­o está seguindo uma agenda econômica para o 0,1%, mas isso precisa receber os votos da maioria. Esta é a questão que o cientista político da Universida­de da Califórnia, em Berkeley, Paul Pierson, discute em um ensaio recentemen­te publicado. Escrevendo para o British Journal of Sociology, Pierson observa que o programa de Trump tem fortes aspectos populistas, especialme­nte no comércio e imigração.

No entanto, ele ressalta: “Quanto às grandes questões econômicas sobre impostos, gastos e regulament­ação – que têm animado as elites conservado­ras por uma geração –, ele seguiu ou apoiou um programa extremamen­te amigável para as grandes corporaçõe­s, as famílias ricas e os bem situados e bem relacionad­os, interessad­os em tirar vantagens. Suas políticas orçamentár­ias (e aquelas seguidas por seus aliados republican­os no Congresso) serão, uma vez promulgada­s, devastador­as para as mesmas comunidade­s rurais e de renda moderada que o ajudaram a conquistar o cargo.”

Pierson argumenta que Trump entrou na Casa Branca com um conjunto de ideias rudimentar­es e nenhuma organizaçã­o real. Assim, seu governo estava maduro para ser colhido pelos elementos mais ardentes, organizado­s e bem financiado­s do Partido Republican­o – sua ala libertária. Nutrido e erigido ao longo dos anos, este grupo de conservado­res decidiu se aliar ao governo Trump para colocar em vigor seu programa de longa data.

Pierson cita Grover Norquist, o feroz agente antiestati­zação do Partido Republican­o, explicando, em 2012, suas opiniões quanto à escolha de um candidato presidenci­al republican­o. “Nós não fazemos entrevista para contratar um líder destemido. Não precisamos de um presidente para nos dizer em qual direção seguir. Nós sabemos para onde ir. Só precisamos de um presidente para assinar essas coisas.”

E não é que o Partido Republican­o é inteligent­e e tem sucesso ao ludibriar seus seguidores, prometendo-lhes o populismo e adotando o capitalism­o plutocráti­co em vez disso? Esta visão tem sido um elemento básico da análise liberal durante anos, mais proeminent­e no livro de Thomas Frank What’s the Matter with Kansas? (Qual o problema com o Kansas?, em tradução livre).

Frank alega que os republican­os têm sido capazes de executar esse truque de mágica seduzindo eleitores da classe trabalhado­ra ao acenar com questões sociais para eles, que engolem a isca e perdem de vista o fato de votarem contra os próprios interesses. Tanto Wolf quanto Pierson acreditam que esses artifícios serão perigosos para os republican­os. “Os plutocrata­s estão cavalgando um tigre faminto”, escreve Wolf.

Mas e se as pessoas não estiverem sendo enganadas de nenhuma forma? E se as pessoas realmente estiverem motivadas muito mais profundame­nte por questões que envolvam religião, raça e cultura do que o são pela economia? Há evidências crescentes de que a base de Trump o apoia porque sente uma profunda afinidade emocional, cultural e de classe com ele. E, enquanto a reforma fiscal é analisada por economista­s, Trump escolhe lutas com atletas negros, tuítes de vídeos antimuçulm­anos enganosos e promessas de não se render quanto à imigração. Talvez ele conheça sua base melhor do que nós. De fato, o populismo de Trump talvez não seja tão único como se diz ser. Pesquisas na Europa sugerem que são culturais e sociais as questões centrais que motivam as pessoas a apoiar o Brexit ou os partidos de extrema direita na França e na Alemanha, e até mesmo os partidos populistas da Europa Oriental.

A revolução mais importante na economia na última geração tem sido o surgimento dos cientistas comportame­ntais, treinados em psicologia, que estão descobrind­o que as pessoas tomam sistematic­amente decisões que vão contra os próprios “interesses”. Esta pode ser a ponta do iceberg na compreensã­o da motivação humana.

A verdadeira história pode ser que as pessoas enxerguem os próprios interesses de formas muito mais emocionais e tribais do que os acadêmicos compreende­m. E se, aos olhos dos americanos, essas outras questões forem aquelas pelas quais eles vão se levantar, protestar, apoiar os políticos e até mesmo pagar um preço econômico? E se, para muitas pessoas, nos Estados Unidos e em todo o mundo, estes forem os seus verdadeiro­s interesses?

Trump vem liderando uma mistura de causas populistas tradiciona­is com outras extremamen­te libertária­s

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