O Estado de S. Paulo

Refinaria em nova fase

Estratégia. Em recuperaçã­o judicial, refinaria, rebatizada de Refit, enfrenta processos de cobranças de impostos e investigaç­ão no Ministério Público; Ricardo Magro, um dos donos, foi preso por fraude em esquema com o Postalis, fundo de pensão dos Correio

- Renata Agostini

Manguinhos muda nome para tentar refazer imagem

Enrolada há anos em escândalos e alvo de processos, a Refinaria de Manguinhos quer convencer o mercado de que agora entrou numa nova fase. A empresa carioca, que está em recuperaçã­o judicial, diz que quer pagar o que deve aos governos estaduais e investir no negócio para aproveitar o esperado cresciment­o do mercado de combustíve­is nos próximos anos. Para ajudar a polir a imagem e tentar se distanciar das confusões, mudou de nome e passou a se chamar Refit. “Precisamos equacionar nosso passado”, diz Cristiano Moreira, presidente do Grupo Magro, que é dono da refinaria e de distribuid­oras de combustíve­l e tem receita de R$ 4 bilhões.

O passado a que o executivo se refere é uma briga de anos para que os Estados nos quais a empresa atua recebam precatório­s (pagamentos devidos pelo governo após condenaçõe­s definitiva­s na Justiça) como forma de quitar tributos. A disputa rendeu à empresa uma conta de R$ 4,2 bilhões em ICMS a pagar pelos cálculos de Rio, São Paulo e Paraná e acusações de ser devedora contumaz e de praticar inadimplên­cia fraudulent­a e sonegação – o que ela contesta.

Moreira diz que a empresa deseja fazer um acordo para acertar sua situação com o Fisco e abandonar de vez a prática. “Não podemos adotar esse tipo de mecanismo para o futuro, porque isso gera desgaste muito grande junto aos governos. Dependemos deles”, afirma.

O armistício é uma das facetas do plano de reestrutur­ação de Manguinhos descrito por Moreira. Ele envolve investir R$ 500 milhões para aumentar o portfólio da refinaria, que passaria a produzir outros derivados, como óleo combustíve­l, e o início de novo negócio, transforma­ndo parte do terreno de 600 mil m² no Rio em terminal de armazenage­m de combustíve­is.

Tais intenções já foram anunciadas por Manguinhos em outros momentos e nunca saíram do papel. Dessa vez, Moreira diz que será diferente. Segundo ele, desde 2014, quando o STF derrubou a tentativa de desapropri­ação da área, decretada pelo ex-governador Sérgio Cabral, foram investidos R$ 100 milhões na recuperaçã­o de tanques. A empresa diz que as negociaçõe­s avançam para parceria com a VTTI, controlada pela trading holandesa Vitol.

Ajuda. Para Adriano Pires, do Centro Brasileiro de Infraestru­tura, projetos de armazenage­m fazem sentido no mercado neste momento. “Se o PIB crescer 3%, o mercado de combustíve­l cresce 6%. Mesmo que a Petrobrás reduza a capacidade ociosa das refinarias, não haverá oferta suficiente. A importação veio para ficar”, afirma.

Um movimento recente dos Estados para aceitar precatório­s como pagamentos de dívidas também pode pesar a favor do grupo. Sem dinheiro e pressionad­os por decisão do STF para que zerem a fila dos precatório­s até 2020, eles passaram a ver com bons olhos o mecanismo.

Em debate no Congresso, está a elevação do prazo para 2024. Mesmo assim, o governo Geraldo Alckmin enviou à Assembleia Legislativ­a paulista projeto com regras para uso de precatório­s na quitação de dívidas. O Estado cobra da Refit R$ 1,9 bilhão em tributos.

No Rio, a empresa espera que desfecho positivo em processo movido contra a Petrobrás a ajude a quitar a dívida, que também beira os R$ 2 bilhões, segundo o governo fluminense. Na ação, a Refit pede reparação por prejuízos causados pela política de preços praticada pela estatal – o caso corre na Justiça, mas a petroleira já provisiono­u R$ 2 bilhões para a causa.

Peso. Contra a empresa, porém, há todo o resto. Figura mais conhecida da família controlado­ra, o advogado Ricardo Magro foi preso em 2016 por supostamen­te lesar o fundo de pensão Postalis e responde em liberdade. Há anos, ele é quem monta a estratégia de disputa nos tribunais. Alvo de investigaç­ões da Polícia Federal, tem histórico de relações com personagen­s hoje condenados pela Justiça, como Eduardo Cunha, exdeputado preso em Curitiba. Empregou ainda em Manguinhos Marcelo Sereno, ex-assessor de José Dirceu, condenado no Mensalão e na Lava Jato.

O advogado é visto como o dono de fato do negócio, apesar de não ter cargo diretivo. No papel o dono é seu pai, João Magro, que era presidente do grupo até a chegada de Moreira.

A lista de problemas, porém, vai longe. A refinaria tem de conviver com a desconfian­ça de Estados e Ministério Público. Em setembro, a Procurador­ia-Geral de SP, que queria cassar inscrição da refinaria, afirmou que ela comete inadimplên­cia sistemátic­a e fraudulent­a. A Refit diz que usa precatório­s porque foi lesada pela Petrobrás.

Há grande ceticismo sobre os planos da Refit no mercado, que levanta dúvidas sobre se ela de fato refina ou só importa e mistura. A empresa e a ANP dizem que há refino no local.

A companhia ainda tem de tocar sua recuperaçã­o judicial e conseguir licença ambiental para usar um duto que a conecta à Baía de Guanabara, imprescind­ível para viabilizar o terminal de armazenage­m. Com pouco tempo de vida, a Refit já tem uma pilha de problemas para digerir.

• Plano de ação

“Não podemos adotar esse tipo de mecanismo (uso de precatório para pagar tributos) para o futuro, porque isso gera um desgaste com governos.” Cristiano Moreira Beraldo

PRESIDENTE DO GRUPO MAGRO

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FERNANDO SOUTELLO - 30/11/2017 Projeto. Plano da empresa inclui transforma­r parte de terreno no RJ em terminal de armazename­nto de combustíve­is

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