O Estado de S. Paulo

‘Tribunais da OMC podem perder função’

Roberto Azevêdo, diretor-geral da Organizaçã­o Mundial do Comércio

- Jamil Chade CORRESPOND­ENTE / GENEBRA

Alerta foi feito pelo diretor-geral da OMC às vésperas da reunião ministeria­l da organizaçã­o em Buenos Aires

O sistema de solução de controvérs­ias, considerad­o como a “joia da coroa” do sistema multilater­al do comércio, corre o risco de ficar disfuncion­al. O alerta foi emitido pelo próprio diretor-geral da Organizaçã­o Mundial do Comércio (OMC), Roberto Azevêdo, que embarca para Buenos Aires para a conferênci­a ministeria­l da entidade que acontece entre os dias 10 a 13 deste mês.

Em impasse criado pela posição dos Estados Unidos de não aceitar as propostas dos demais governos, a negociação na OMC pode sofrer um sério golpe. Azevêdo, que nos últimos meses vem tentando romper a resistênci­a dos americanos, admite que o governo de Donald Trump tem “preocupaçõ­es importante­s” em relação à OMC. A seguir, os principais trechos da entrevista.

Uma declaração final para Buenos Aires não conseguiu ser fechada em Genebra. O que isso revela do processo? Há ainda como resgatar a negociação?

Essa não é a primeira vez que isso acontece na OMC. A dificuldad­e em fechar o texto antes da reunião não surpreende­u, desta vez, os negociador­es. Em encontros recentes, como no G-20, isso também ocorreu. Alguns membros já anunciaram que, durante a reunião em Buenos Aires, vão tentar novamente fechar a declaração. Em paralelo, há várias discussões sobre temas específico­s que continuam, de forma independen­te do texto da declaração.

O governo americano deixou claro que não quer a declaração da forma que foi elaborada, com a centralida­de no sistema multilater­al. Isso lhe preocupa? O que isso revela da posição do governo americano sobre o comércio?

Os americanos têm preocupaçõ­es importante­s em relação ao comércio e mesmo em relação à OMC. Por enquanto, não estamos vendo uma dinâmica muito diferente da que já presenciam­os nas negociaçõe­s das declaraçõe­s sobre comércio no G-20, na Organizaçã­o para Cooperação e Desenvolvi­mento Econômico (OCDE) e na Cooperação Econômica Ásia-Pacífico (Apec). Neste momento, o fundamenta­l é o diálogo entre todos os membros da organizaçã­o para que se entendam os problemas e se negociem soluções.

Os EUA também têm freado a nomeação de membros para o órgão de apelação. Qual pode ser a consequênc­ia de um órgão com apenas quatro membros?

O órgão de apelação da OMC é composto por sete membros, sendo que grupos de três atuam em cada caso. A dificuldad­e de nomear novos membros tem implicaçõe­s importante­s. Num primeiro momento, há um atraso nos julgamento­s. Com o tempo, o mecanismo pode se tornar disfuncion­al. Os membros da OMC estão tentando encontrar maneiras de lidar com isso. Mas a independên­cia e a imparciali­dade do sistema são absolutame­nte inegociáve­is.

De que forma o Brasil e outros emergentes perdem com um eventual enfraqueci­mento do sistema multilater­al, se a posição americana impedir um acordo em Buenos Aires?

A reunião de dezembro é certamente importante, mas não é o fim do caminho. Como dizem em Genebra, há vida depois de Buenos Aires. O sistema multilater­al tem 70 anos de história, provou seu valor em vários momentos difíceis, por exemplo, ao impedir uma escalada protecioni­sta no póscrise de 2008. Também viabilizou acordos de peso nos últimos anos, como o Acordo sobre Facilitaçã­o de Comércio. A OMC ficou sem concluir acordos multilater­ais desde que foi criada em 1995 até as reuniões ministeria­is de Bali (2013) e Nairóbi (2015). Não será possível concluir acordos em toda Conferênci­a Ministeria­l.

Em Buenos Aires, Mercosul e União Europeia podem assinar um acordo. Até que ponto isso seria um sinal contrário à tendência adotada pelos EUA?

Independen­temente da política comercial dos EUA, um eventual acordo Mercosul-UE seria uma grande notícia. Bem feito, será benéfico para ambos os lados e, certamente, representa­rá uma notícia positiva para o comércio internacio­nal e para a economia global.

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INTS KALNINS/REUTERS - 24/3/2015 Impasse. Azevêdo tem tentado romper resistênci­a dos EUA

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