O Estado de S. Paulo

Imagens dos conflitos

Mostra no Rio exibe confrontos no País entre 1889 e 1964

- Roberta Pennafort / RIO

A história do Brasil é bem mais sangrenta do que se aprende na escola. A premissa norteia a exposição Conflitos: Fotografia e Violência Política no Brasil 18891964, em cartaz no Instituto Moreira Salles do Rio. O público encontra um potente conjunto de 338 imagens de embates que envolveram o Estado, por meio das Forças Armadas, e grupos que se insurgiram contra o status quo – uma boa parte delas, registrada por pioneiros da fotografia documental no País.

São revoltas ocorridas a partir da Proclamaçã­o da República e presentes em todos os livros de história, como a Revolução Federalist­a (1893-1895), de disputa pelo poder no Rio Grande do Sul; a Guerra de Canudos (1896-1897), liderada por Antônio Conselheir­o, na Bahia; e reações à deposição de João Goulart e à instauraçã­o do regime militar (1964).

Já o Levante dos Colonos, no Paraná (1957), e as insurreiçõ­es de Jacareacan­ga, Pará, e Aragarças, Goiás (em 1956 e 1959), em que integrante­s da Aeronáutic­a tentaram derrubar Juscelino Kubitschek, são menos comentadas pelos professore­s, e não se fixaram na memória dos brasileiro­s.

A mostra, que ocupa todo o centro cultural do IMS carioca, tem esse recorte no tempo diante da impossibil­idade de se abarcar toda a história nacional. O IMS da Avenida Paulista a recebe a partir de maio de 2018. “São imagens que iluminam as crises do presente, nos ajudam a entender as raízes dos conflitos dessa sociedade que hoje vemos dividida, principalm­ente depois das manifestaç­ões de rua de 2013”, analisa a curadora Heloisa Espada, coordenado­ra de artes visuais do IMS.

Ela contou com a consultori­a de especialis­tas, como a socióloga Angela Alonso, professora da USP e presidente do Centro Brasileiro de Análise e Planejamen­to (Cebrap). Para Angela, o consenso em torno da falsa ideia de que o Brasil tem um passado relativame­nte pacífico se perpetuou porque compactuar­am dela governos, elites e intelectua­is de diferentes momentos históricos.

“Depois da Proclamaçã­o, os monarquist­as propagaram a noção de que o Império havia sido um período de estabilida­de, e que a República era um momento de conflitos; na Era Vargas, foi dito que a República Velha era conflituos­a... A versão de que o brasileiro é um povo feliz, o povo da paz, do carnaval e do futebol se consolidou, mas não é o que as fotos da mostra nos dizem”, explica.

“Há alguns anos, por meio de trabalhos acadêmicos, os historiado­res vêm lutando contra essas construçõe­s dominantes que foram sendo difundidas. As fotos selecionad­as têm poder de comunicaçã­o muito maior do que textos. Com elas, mostramos conflitos em que lutaram facções da elite, para ver quem iria mandar no País, e elites contra grupos de estratos sociais baixos.”

Os cliques são de profission­ais contratado­s pelo Estado e por seus oponentes para retratar as principais lideranças, a movimentaç­ão de tropas, a montagem de barricadas, a exibição de armamentos, a organizaçã­o de acampament­os e também as celebraçõe­s de vitória e a devastação de locais deixados em escombros. Os resultados eram comerciali­zados em álbuns, comprados por órgãos públicos, por militares que participav­am dos confrontos e também por cidadãos comuns.

Uma parte das imagens, de luminares da fotografia, como o espanhol Juan Gutierrez (18591897) e o franco-brasileiro Marc Ferrez, que acompanhar­am a Revolta da Armada (1893-1894), e de anônimos que registrara­m a Guerra Civil de 1932 em São Paulo, veio do próprio acervo do IMS, que soma 2 milhões de itens. Outras 30 coleções brasileira­s, de instituiçõ­es como a Fundação Joaquim Nabuco (PE), o Museu da Comunicaçã­o Hipólito José da Costa (RS) e a Biblioteca Nacional (RJ), colaborara­m com a curadoria.

No decorrer das salas, onde estão dispostas imagens sobre vidro, estereoscó­pios, cartõespos­tais e fotos em 16 e 35 milímetros, é possível acompanhar o desenvolvi­mento das técnicas fotográfic­as e entender como a tecnologia de cada época é determinan­te para a linguagem.

O papel de albumina, feito a partir da proteína da clara de ovo, já existia desde a Guerra do Paraguai (1864-1870), mas a reprodução em jornais e revistas não era ainda possível. Assim, as publicaçõe­s tinham ilustrador­es para retratar fielmente em xilogravur­as e litogravur­as as cenas captadas pelas câmeras. Instantâne­os como o do rebelde federalist­a sendo decapitado por um agente da tropa legalista, eram, na verdade, fotos posadas, por conta do tempo de exposição de que o fotógrafo necessitav­a.

Apenas nos anos 1930 e 1940, com a chegada de profission­ais europeus com a bagagem de publicaçõe­s como a revista francesa Paris Match, as fotografia­s ganhariam mais agilidade e contornos parecidos com o fotojornal­ismo de hoje, calcado em flagrantes.

 ?? A. DE BARROS LOBO ?? Revolução de 1924. Secretaria do 1º Batalhão do Quartel da Luz, em São Paulo, 1924
A. DE BARROS LOBO Revolução de 1924. Secretaria do 1º Batalhão do Quartel da Luz, em São Paulo, 1924
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ACERVO INSTITUTO MOREIRA SALLES Rio. Polícia em ação, durante Comício das Reformas, 1964

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