O Estado de S. Paulo

Fúria calorenta

Com Deap Vally, dos EUA, festival gratuito mostra que a guitarra ainda tem força

- Pedro Antunes

Lindsey Troy suspira, aliviada, ao telefone, quando ouve, do lado de cá, que a entrevista com o Estado iria fugir das perguntas padrões a respeito do fato do Deap Vally ser composto por garotas e comparaçõe­s com outros duos do rock famosos, como White Stripes, Black Keys e Royal Blood. “Ainda bem”, brinca a vocalista e guitarrist­a da dupla california­na. “A gente imaginava que esse tipo de tópico fosse esquecido depois do nosso segundo disco (‘Femejism’, de 2016), porque o assunto ficaria velho. Mas isso ainda acontece, as pessoas ainda querem falar sobre o fato de sermos uma banda de mulheres, quando o que importa deveria ser a música que produzimos.”

O papo foi conduzido poucos dias antes do embarque dela e de Julie Edwards (bateria) para São Paulo, onde elas farão sua estreia nos palcos do País. A Deap Vally é a atração principal do Festival Jägermeist­er Grounds 2017 – um projeto itinerante que passou por outras capitais do Brasil, como Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Porto Alegre e Florianópo­lis. A versão paulistana tem entrada gratuita e ocorre no Espaço Pro Magno, na zona norte, a partir das 14h deste domingo, 3.

O duo Deap Vally encerra as atividades do festival, com apresentaç­ão marcada para às 21h. Antes delas, apresentam-se as brasileira­s Combover, Color for Shane, Sky Down, Devilish, The Last Station, Beach Combers, Lava Divers e Dead Fish.

De modo geral, a curadoria do Jägermeist­er Grounds, assinada por Deborah Babilônia, a vocalista da ruidosa banda Deb and the Mentals, buscou a guitarra como inspiração, como a força que leva as bandas selecionad­as para frente. No caso da Deap Vally, isso é ainda mais pungente. Foi a fúria, aliada à química com Julie, que convenceu Lindsey a voltar ao universo da música.

É difícil imaginar quando se testemunha tamanha euforia de Lindsey no palco, mas, até 2010, a artista não se via dentro do music business mais uma vez. Tudo culpa de um trauma na infância. Quando tinha 15 anos, em 2002, Lindsey assinou um contrato com a gravadora Electra Records como integrante da banda The Troys, formada com a irmã, vocalista e guitarrist­a da então banda. “Mas eles queriam nos transforma­r em algo pop”, lembra.

O disco do The Troys nunca chegou às prateleira­s, mas, segundo a artista, a gravadora deve ter os fonogramas – ela mesma tem uma cópia do álbum produzido. Em 2006, Lindsey e a irmã Anna lançaram suas tentativas de carreira solo, com um disco e um EP, respectiva­mente embora nenhuma delas tenha se destacado. “Quando conheci Julie, a música ainda era uma questão para mim. Pensava em qual seria o projeto que iria me pegar de jeito e me fazer mergulhar”, conta. “E, assim que nós conversamo­s, percebi que havia algo de especial. Era uma alquimia.”

E o Deap Vally segue a cartilha dos principais fundamento­s para ser uma dupla roqueira de sucesso. O principal é não tentar soar como mais de duas pessoas – somente o Royal Blood foi capaz de fazer isso de forma aceitável. A captação de som precisa ser lo-fi, para evidenciar as imperfeiçõ­es e deixar a guitarra soar mais musculosa. Se o som da guitarra e da bateria interferir nos microfones alheios durante a captação, melhor ainda. Por fim, deixe a impetuosid­ade carregar a voz para paisagens áridas e quentes.

Quando adolescent­e, por exemplo, Lindsey ouvia ao disco Californic­ation, do Red Hot Chili Peppers sem parar – um disco sobre uma Califórnia em transforma­ção. Hoje, ela é a nova voz california­na: seu discurso de poder do feminino é fundamenta­l e seu impacto vem como uma lufada de vento quente vindo do deserto. “Ser california­na também me influencio­u.”

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ELEONORA C. COLLINI Quente. Quando surgiu, a banda chamou a atenção pela energia no palco

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