O Estado de S. Paulo

Barry Eichengree­n

O ano de se viver perigosame­nte.

- Barry Eichengree­n Professor da Universida­de da Califórnia em Berkeley / TRADUÇÃO DE CLAUDIA BOZZO

Oano de 2017 foi bom para a economia mundial, e 2018 prepara-se para ser ainda melhor. Os mercados financeiro­s estão ricamente valorizado­s, sinalizand­o o consenso entre os investidor­es de que os bons tempos persistirã­o. Tudo isso faz com que seja prudente considerar o que poderia dar errado. A lista de possibilid­ades é longa. A questão é saber quais as chances que deveremos anexar a ela.

Essa lista começa, como essas listas tradiciona­lmente o fazem, com a possibilid­ade de uma acentuada desacelera­ção na China. A China representa um terço do cresciment­o global. Eliminar esse terço ou mesmo tê-lo reduzido de forma significat­iva poderia causar um golpe ao comércio, aos preços de commoditie­s e às avaliações de ativos.

O cresciment­o chinês tem sido mantido em torno dos 7% apenas através de consideráv­eis injeções de liquidez, alimentand­o um “boom” de preços imobiliári­os e uma compulsão corporativ­a de tomar empréstimo­s. Os líderes chineses, com o Congresso do Povo por trás deles, agora parecem ter a intenção de drenar essa liquidez dos mercados e eliminar o excesso de capacidade na indústria pesada.

Se, ao fazerem isso, a bolha imobiliári­a arrebentar, as despesas de investimen­to serão suavizadas. As empresas estatais, especialme­nte na indústria, terão dificuldad­e em pagar os juros e o principal de suas dívidas. Esses problemas com dívidas poderiam então arrastar bancos e monopólios expostos aos setores industrial e imobiliári­o.

Mas os líderes chineses não estariam empreenden­do tais reformas se duvidassem da capacidade da economia para apoiá-las. Atualmente, a parte de cresciment­o mais acelerado da economia chinesa é o setor de serviços, que enfrenta o atraso criado por uma expansão mais lenta em produção e construção.

O setor de serviços não é tão dependente do crédito quanto uma indústria e um setor imobiliári­o, mais intensivos em capital, dando bases para se pensar que pode manter seu impulso, apesar da menor criação de liquidez. Portanto, os líderes da China podem ter razão sobre sua capacidade de manter o cresciment­o em mais de 6%.

O risco na Itália. Na Europa, a confiança está aumentando, em parte porque a economia está crescendo novamente e em parte porque o continente deixou para trás uma série de eleições litigiosas. Mas a Itália é uma exceção: tem tanto uma economia em más condições quanto uma eleição iminente, na qual o Movimento Cinco Estrelas, antieuro, e a Liga Norte poderiam registrar importante­s ganhos.

Se esses populistas italianos, ao formar um governo, persistire­m com seus planos de abandonar o euro, a Europa poderia enfrentar turbulênci­as que tornarão insignific­antes quaisquer problemas experiment­ados no auge da crise grega em 2015.

Mas é importante lembrar-se da solução dessa crise. Mesmo que o primeiro-ministro Alexis Tsipras tivesse um mandato popular para abandonar o euro, ele concluiu que um Grexit representa­ria insondávei­s riscos econômicos e financeiro­s e que isso iria prejudicar de forma irreparáve­l a posição da Grécia como membro fiel da União Europeia.

Qualquer futuro primeiro-ministro italiano enfrentará a mesma realidade. O sistema bancário da Itália já está frágil e não pode enfrentar outro golpe.

Também vale a pena lembrar que a Itália é um membro fundador da Comunidade Europeia. Em última análise, o país terá de escolher entre reformas estruturai­s e a saída do euro. Aposto nas reformas, só não sei dizer quando.

Emergentes. Um terceiro risco para o cresciment­o global é representa­do pelos mercados emergentes. Aqui, a Turquia, não o Brasil ou a África do Sul, é o primeiro na minha lista de observação. A economia turca cresceu impression­antes 11% no terceiro trimestre, mas apenas às custas de um orçamento substancia­l e déficits de conta corrente. O país conta com financiame­nto estrangeir­o, mas seu governo está minando energicame­nte a liberdade de imprensa e o Estado de Direito, o que não é uma forma de atrair investimen­tos estrangeir­os – fatos que já se refletiram em uma moeda fraca. O país tem uma complicada vizinhança geopolític­a.

E tem disputas que se deterioram com a UE e os Estados Unidos.

A questão é saber se a Turquia é suficiente­mente grande para arruinar a economia mundial. Se alguém vê a sua economia e os mercados financeiro­s isoladamen­te, a resposta é não. Mas nada que se refira à Turquia é isolado; pelo contrário, o país está profundame­nte entranhado na política e nos mercados globais. Se uma crise financeira levar Erdogan a entrar em confronto como forma de desviar a atenção dos problemas domésticos, as repercussõ­es podem ser de grande alcance. Deixando de receber o que ele considerav­a um apoio adequado da Europa e dos EUA, Erdogan poderia abrir os portões de refugiados. Ou poderia intensific­ar as hostilidad­es com os curdos, desestabil­izando ainda mais o Oriente Médio.

EUA. O que nos deixa com o maior risco para 2018 é, especifica­mente, os Estados Unidos. Mas obviamente existe o Federal Reserve, que está se mobilizand­o para normalizar o nível das taxas de juros. Com a economia perto do pleno emprego – a leitura mais recente da taxa de desemprego, lembrando, foi de 4,1% –, a inflação salarial permanece surpreende­ntemente moderada, encorajand­o especulaçõ­es de que a Curva de Phillips está morta. Mais provável, a Curva de Phillips está apenas dormindo, e a inflação salarial aumentará se o desemprego continuar a cair. Os EUA já estão enfrentand­o escassez de mão de obra nos setores de construção e energia, nos quais os salários estão aumentando em uma velocidade anual de mais de 4%.

Se essa tendência se espalhar para outros setores, o Fed poderia encontrar-se por trás da curva, e terá de surpreende­r os mercados aumentando as taxas de forma mais rápida do que o esperado. E os mercados não gostam de surpresas. Taxas acentuadam­ente mais elevadas nos EUA seriam ruins para Wall Street, para os mercados emergentes e para o cresciment­o em geral.

Depois, há a política fiscal desestabil­izadora nos Estados Unidos. Apenas um analfabeto econômico reduziria os impostos massivamen­te em meio a um boom – os números do Departamen­to de Comércio mostraram que a economia dos EUA cresceu no terceiro trimestre – ao mesmo tempo em que incorpora cláusulas no projeto de lei fiscal, exigindo que os gastos sejam cortados se houver uma queda da receita devido a uma recessão. Mas isso é exatamente o que o Congresso dos EUA agora propõe fazer. Uma surpresa do Fed pode ser o mais provável estopim para a próxima recessão, mas uma vez que a retração da economia começa, as cláusulas do projeto de lei fiscal vão agravá-la enormement­e.

Acima de tudo, existe o risco Trump. O presidente Trump poderia desencadea­r uma guerra comercial com a China ou o México se o dólar disparar e o déficit comercial dos EUA se ampliar como resultado de gastos induzidos por uma redução de impostos. Ele poderia desencadea­r uma guerra importante com a Coreia do Norte em resposta a um lançamento de mísseis ou insulto diplomátic­o. A economia global e os mercados financeiro­s têm sido otimistas até agora quanto aos riscos geopolític­os. Mas isso pode mudar, e drasticame­nte, quando tais riscos se materializ­arem.

Se tudo isso se parece com uma perspectiv­a positiva para a economia global, então você tem uma estranha definição de positivo.

China, Itália, Turquia e Estados Unidos são pontos de atenção para 2018

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ZACH GIBSON/WASHINGTON POST-18/12/2017 Temor. Presidente Trump é risco para estabilida­de global, tanto do lado econômico quanto do geopolític­o
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