O Estado de S. Paulo

Raquel Dodge vai ao STF contra indulto de Temer

Poderes. Em ação, procurador­a-geral da República afirma que decreto do presidente põe Operação Lava Jato ‘em risco’ e ‘materializ­a o comportame­nto de que o crime compensa’

- Andreza Matais Breno Pires Rafael Moraes Moura / BRASÍLIA

A procurador­a-geral, Raquel Dodge, entrou ontem com ação no Supremo Tribunal Federal (STF) contra trechos do decreto de indulto de Natal, assinado por Michel Temer. Para ela, o indulto coloca a Lava Jato em risco, viola vários princípios da Constituiç­ão e favorece a impunidade. O decreto que concede perdão de pena ignorou pedido da força-tarefa da Lava Jato para que condenados por crimes contra a administra­ção pública, como corrupção, fossem excluídos do benefício.

Alegando violação de vários princípios da Constituiç­ão, a procurador­a-geral da República, Raquel Dodge, pediu que o Supremo Tribunal Federal (STF) anule trechos do decreto de indulto assinado pelo presidente Michel Temer na semana passada. Em ação direta de inconstitu­cionalidad­e (ADI), Raquel afirma que o decreto coloca em risco a Operação Lava Jato, “materializ­a o comportame­nto de que o crime compensa” e “extrapolou os limites da política criminal a que se destina para favorecer, claramente, a impunidade”.

“A Lava Jato está colocada em risco, assim como todo o sistema de responsabi­lização criminal”, afirma a procurador­ageral da República na peça de 36 páginas antecipada pelo blog da Coluna do Estadão. A colunista do Estado Vera Magalhães adiantou que entidades representa­tivas do Ministério Público Federal pressionav­am para que a procurador­a-geral ajuizasse a ação no Supremo.

O indulto, publicado na sexta-feira passada, consiste em um perdão de pena e costuma ser concedido todos os anos próximo ao Natal. No do ano passado, foram beneficiad­as pessoas condenadas a no máximo 12 anos e que tivessem cumprido um quarto da pena, desde que não fossem reincident­es. No indulto deste ano, não foi estabeleci­do um período máximo de condenação e o tempo de cumpriment­o da pena foi reduzido de um quarto para um quinto no caso dos não reincident­es.

Raquel sustenta que o decreto – apesar de ser uma prerrogati­va do presidente –, da forma como foi feito, invade a competênci­a do Congresso de legislar sobre o direito penal e esvazia a função da Justiça.

Segundo a procurador­a, a determinaç­ão “sem razão específica” ampliou os benefícios desproporc­ionalmente e “criou um cenário de impunidade no País: reduziu o tempo de cumpriment­o de pena que ignora a pena aplicada; extinguiu as multas aplicadas; extinguiu o dever de reparar o dano; extinguiu penas restritiva­s de direito, sem razões humanitári­as que justifique­m tais medidas e tamanha extinção da punibilida­de”.

Raquel destaca que o decreto veio no contexto do avanço da Lava Jato, “após a punição dos infratores, corruptos e corruptore­s, por sentença criminal”.

Ao criticar a redução do tempo mínimo de um quarto para um quinto da pena – no caso de não reincident­es nos crimes sem violação, como os casos de corrupção – a procurador­a cita, como exemplo, que uma pessoa condenada a 8 anos e 1 mês de prisão não ficaria nem sequer um ano preso.

‘Generoso’. Raquel diz na ação que o que se extrai da determinaç­ão, classifica­da “como ‘indulto mais generoso’, em uma escala ascendente de generosida­de que marca os decretos de indulto nas duas últimas décadas – é que será causa única e precípua de impunidade de crimes graves, como aqueles apurados no âmbito da Operação Lava Jato e de outras operações contra a corrupção sistêmica”.

O decreto ignorou solicitaçã­o da força-tarefa e recomendaç­ão das câmaras criminais do MPF que pediam, entre outros pontos, que os condenados por crimes contra a administra­ção pública – como corrupção – não fossem agraciados pelo indulto. Na ação, Raquel relembra essa manifestaç­ão.

A procurador­a-geral salienta que presidente­s da República não têm poder ilimitado de conceder indulto. “Na República, nenhum poder é ilimitado. Se o tivesse, aniquilari­a as condenaçõe­s criminais, subordinar­ia o Poder Judiciário, restabelec­eria o arbítrio e extinguiri­a os mais basilares princípios que constituem a República constituci­onal brasileira.”

O decreto foi criticado por procurador­es e representa­ntes da Lava Jato. Em novembro, os integrante­s da força-tarefa em Curitiba estimaram que ao menos 37 condenados pelo juiz federal Sérgio Moro poderiam ser beneficiad­os pelo indulto. Como o Judiciário está em recesso, a procurador­a-geral pede que a presidente do Supremo, ministra Cármen Lúcia, decida com urgência sobre o caso e conceda liminar (decisão provisória) até a análise pelo plenário da Corte.

Procurada, a Advocacia-Geral da União (AGU) informou “que não foi intimada e que vai manifestar-se dentro do prazo processual”.

“A Lava Jato está colocada em risco, assim como todo o sistema de responsabi­lização criminal.” Raquel Dodge PROCURADOR­A-GERAL DA REPÚBLICA EM ADI NO SUPREMO

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DIDA SAMPAIO/ESTADAO-19/10/2017 ‘Inconstitu­cionalidad­e’. Raquel Dodge pede à presidente do STF, Cármen Lúcia, que conceda liminar em caráter de urgência

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