O Estado de S. Paulo

‘Sem apoio da PGR, Zelotes não alcançou potencial máximo’

Procurador que conduz operação diz que falta de profission­ais impede aprofundam­ento das investigaç­ões no Carf

- Fabio Serapião / BRASÍLIA

Deflagrada em 26 de março de 2015, a Operação Zelotes não alcançou seu potencial máximo e, dos R$ 19 bilhões em julgamento­s suspeitos de causar prejuízo aos cofres públicos mapeados, apenas R$ 5 bilhões foram investigad­os a fundo.

A afirmação é do procurador da República Frederico Paiva, responsáve­l pela investigaç­ão sobre o esquema de corrupção no Conselho Administra­tivo de Recursos Fiscais (Carf) e titular das 18 denúncias oferecidas pelo Ministério Público Federal contra empresas, lobistas e ex-conselheir­os.

Para Paiva, a Procurador­iaGeral da República, à época comandada por Rodrigo Janot, não deu o apoio necessário à investigaç­ão ao negar a nomeação de peritos para ajudar na apuração. A ausência dos profission­ais, diz o procurador, inviabiliz­ou a análise de 2,6 milhões de transações bancárias, 682 mil e-mails e 1.850 horas de intercepta­ções telefônica­s angariadas na fase de investigaç­ão que se encerrou em 2017.

Ao Estado, Paiva disse não “entender” os critérios da Procurador­ia-Geral da República ao escolher quais operações terão mais apoio e apontou que a investigaç­ão continua no Supremo Tribunal Federal com processos que apuram a compra de medidas provisória­s – flanco aberto pela Zelotes que agora se uniu às apurações da Operação Lava Jato.

Qual o balanço da operação nesses três anos?

É muito positivo, apesar da falta de apoio. Principalm­ente no ano passado, no momento crucial da Zelotes. Quando nós requisitam­os dois peritos para a Procurador­ia-Geral da República para poder viabilizar a análise dos dados bancários que foram quebrados. Este pedido foi negado. Sob a alegação de falta de peritos, disseram que não haveria como ajudar a Zelotes. Isso complicou demais a nossa vida, a análise ficou bem comprometi­da e a Zelotes não alcançou seu potencial máximo de aprofundam­ento das investigaç­ões. Alguns casos ficaram pelo caminho. Mas, mesmo com pouca estrutura – eu tive apoio do dr. Hebert (Mesquita, que atuou em alguns casos da operação) durante um ano, foi essencial, mas foi pouco –, o balanço é muito positivo.

Por que acha que faltou apoio? Não consigo entender os critérios. A Zelotes envolvia o Carf, um órgão com importânci­a fundamenta­l na economia brasileira, lá são julgados cerca de R$ 500 bilhões em créditos tributário­s, e a gente veio mostrando resultados, oferecendo denúncias, conseguimo­s condenação, mas outras operações tiveram muito mais apoio. Eu não entendo os critérios da PGR.

Não foi possível analisar todo material coletado?

Não foi possível. A Polícia Federal tirou o delegado Marlon Cajado, delegado muito atuante na investigaç­ão em parceria com o Ministério Público Federal. Ele foi tirado da Zelotes em maio do ano passado, isso nos deixou a pé. Tivemos que lidar com um volume imenso e, infelizmen­te, não conseguimo­s analisar tudo. Isso foi um baque, mas vida que segue.

No Judiciário, a operação enfrentou problemas?

Tivemos um problema muito grande no início, havia uma resistênci­a enorme. Mas isso foi contornado a partir da assunção do dr. Vallisney (de Souza

Frederico Paiva é procurador da República desde 1998 e, atualmente, está lotado na Procurador­ia da República do Distrito Federal. Com atuação na área criminal, Paiva foi o responsáve­l na instituiçã­o pelas investigaç­ões relacionad­as à Operação Zelotes.

Oliveira, titular da 10.ª Vara Federal em Brasília) que tem se esforçado para dar celeridade ao caso. Mas o dr. Vallisney é titular de uma vara com 15 operações em andamento, então com muito esforço tem procurado dar andamento às ações penais, mas ainda não na celeridade de que nos gostaríamo­s. Aqui não é Curitiba, só temos uma ação julgada e outras 15 em andamento.

A Zelotes investigav­a Carf e depois passou a apurar suspeita de venda de medidas provisória­s. Isso complicou a investigaç­ão? Foi uma frente a mais, mas não poderíamos deixar de apurar, eram fatos graves. Pela primeira vez descobriu-se que medidas provisória­s eram vitaminada­s e modificada­s a partir de contratos de fachada com escritório­s de consultori­a e de advocacia. Todo um filão foi aberto. Tivemos dificuldad­e porque não podemos investigar parlamenta­res, nem nunca investigam­os, e por isso remetemos alguns inquéritos ao STF. Mas, sem dúvida, com a pouca estrutura que eu tinha o resultado foi que atrasou algumas investigaç­ões. Mas foi por falta de estrutura, não por ter enveredado na apuração das MPs.

Ao contrário de outras grandes operações, a Zelotes só teve uma delação. Por quê?

Só uma delação. Os processos andam devagar, ninguém está preso, penas aplicadas não foram altas. Isso não despertou muito medo. É, principalm­ente, pelo fato de os processos estarem andando devagar. A pessoa tem que ter a sensação de que pode ser punida. Como a Zelotes caminha a passos muitos lentos ainda não chegou essa sensação. Mas isso não é problema, nós temos oferecido denúncias com base em outras provas, provas robustas.

O senhor chegou a citar prejuízo de R$ 19 bilhões. Todo esse montante foi apurado?

A gente conseguiu reunir provas e oferecer denúncias em relação a julgamento­s envolvendo R$ 5 bilhões. Outros julgamento­s que no início tínhamos como suspeitos, nós não avançamos no sentido de elementos suficiente­s para anulálos. Não necessaria­mente porque eles não foram manipulado­s, mas porque, com o passar do tempo, a possibilid­ade de obtenção de provas se reduz. A gente fez o máximo possível.

Por que não se investigou a totalidade do prejuízo?

São crimes sofisticad­os, em que eram feitos pagamentos em dinheiro vivo. Fica mais difícil angariar provas, mas é fato que se ela tivesse tido mais apoio teria ido mais longe. O Carf ainda é uma caixa-preta.

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MARCELO CAMARGO/AGÊNCIA BRASIL-22/2/2016 Câmara. Frederico Paiva durante sessão da CPI do Carf

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