O Estado de S. Paulo

Arquivo Nacional sofre com trocas políticas

Instituiçã­o centenária responsáve­l pelo acervo histórico do País teve três mudanças na direção em 12 meses

- Roberta Pennafort / RIO

“Os servidores não podem viver nesse terrorismo, tendo de fazer malabarism­o para o Arquivo funcionar.” Renato Machado

PROCURADOR DA REPÚBLICA

Uma das instituiçõ­es mais antigas do Estado brasileiro, o Arquivo Nacional (AN) completa 180 anos neste mês sem festa à vista. Vinculado ao Ministério da Justiça, o maior órgão arquivísti­co brasileiro, que guarda documentos públicos datados desde o século 16, sofre com a falta de recursos para seu custeio básico e tem assistido a trocas na sua direção ao sabor de acontecime­ntos políticos de Brasília. Só em 2017, foram três diretoresg­erais. Os problemas quase levaram ao fechamento da unidade símbolo da memória do País.

A atual direção da instituiçã­o assumiu em novembro. A escolhida pelo ministro da Justiça, Torquato Jardim, foi a advogada Carolina Chaves de Azevedo. Seu último cargo público foi como secretária da área de Envelhecim­ento Saudável e Qualidade de Vida da prefeitura do Rio durante a gestão de Eduardo Paes (PMDB). Carolina é afilhada política da deputada federal Cristiane Brasil (PTB), filha do ex-deputado Roberto Jefferson, presidente nacional da PTB. Na sua posse, Cristiane estava ao seu lado na foto oficial.

Carolina sucedeu José Ricardo Marques, ex-secretário de Cultura do Distrito Federal, que tinha como padrinho político o deputado federal Ronaldo Fonseca (PROS-DF). Marques teve duas passagens pelo comando da instituiçã­o. A primeira foi encerrada em abril de 2016, quando o seu padrinho político votou a favor do impeachmen­t da presidente Dilma Rousseff. Ele voltaria depois na gestão Michel Temer (PMDB), mas foi novamente retirado quando, em abril de 2017, Fonseca, o padrinho político, disse “não” na Câmara à reforma trabalhist­a, tema tratado como prioridade pelo novo governo. Quem assumiu o AN, então, foi o então vice-diretor, Diego Barbosa da Silva, servidor de carreira.

Histórico. Já fora da direção, Marques, que é evangélico, foi condenado em primeira instância por improbidad­e administra­tiva. Ele foi acusado de promover cultos semanais no auditório principal da instituiçã­o, utilizando-se, inclusive, do trabalho de servidores e de equipament­os de áudio e vídeo da casa. A reportagem procurou Marques para entrevistá-lo, mas ele não foi encontrado. Em novembro, a 32.ª Vara Federal do Rio condenou o ex-diretor a ressarcir o erário em R$ 24 mil, e pagar multa de R$ 36 mil.

“É um descaso com o Arquivo, não se pode fingir que não está acontecend­o nada. Mesmo sendo um cargo de confiança da administra­ção direta, a escolha do diretor de uma instituiçã­o como o Arquivo Nacional não pode estar ligada à barganha política, não pode ser tratado como apenas mais um cargo. O que queremos é que se levante o debate da eleição geral, com votos de servidores, quem sabe o envio de uma lista tríplice ao ministério”, sugeriu Rodrigo Mourelle, presidente da Associação dos Servidores do Arquivo Nacional.

Mourelle disse que por causa do contingenc­iamento de 2017, que levou a um corte de quase 40% do orçamento da instituiçã­o que no ano foi de R$ 22 milhões, um terço dos funcionári­os terceiriza­dos foi cortado. A medida gerou atrasos. Quem, por exemplo, requisita o histórico de entrada de antepassad­os estrangeir­os no Brasil para requerer cidadania de outros países tem de esperar até 60 dias.

Defesas. O Estado, por cinco dias, pediu uma entrevista a Carolina Chaves de Azevedo. A direção do Arquivo Nacional informou que ela “não teve tempo” por estar em reuniões. A unidade também não respondeu aos questionam­entos do Estado sobre a indicação política de Carolina e a atual situação financeira do arquivo mandadas por e-mail. A deputada Cristiane Brasil também não atendeu aos pedidos da reportagem.

Em nota, o Ministério da Justiça informou que o orçamento do Arquivo Nacional foi recomposto após o contingenc­iamento. “Houve o desconting­enciamento integral do orçamento, além de uma suplementa­ção/ampliação de R$ 4 milhões, que foi articulada por este ministério e fez com que o Arquivo terminasse o exercício de 2017 com valor acima do que estava previsto inicialmen­te no Projeto de Lei Orçamentár­ia Anual”, divulgou o ministério, segundo o qual o AN fecha 2017 com total de R$ 22,6 milhões de créditos.

Para 2018, há previsão de aumento, chegando-se a R$ 23,4 milhões. Mas o procurador Renato Machado, que em outubro expediu recomendaç­ão ao ministério para rever as restrições orçamentár­ias ao AN, lembra que o prédio histórico do centro do Rio, onde o AN é sediado, tem necessidad­es que vão além do pagamento de contas de luz e água – para o que faltou dinheiro este ano. É preciso adequar o prédio anexo, onde fica 90% do acervo, a quesitos de segurança estipulado­s pelo Corpo de Bombeiros já há dois anos. O Arquivo também tem instalaçõe­s em Brasília. “Sem isso, o acervo corre certo risco”, alertou o procurador. “Os servidores não podem viver nesse terrorismo, tendo de fazer malabarism­o para o Arquivo funcionar.”

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FABIO MOTTA/ESTADÃO Fachada. A atual direção do Arquivo Nacional, no Rio, assumiu em novembro passado

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