O Estado de S. Paulo

Em busca de uma liderança digna e capaz

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Em palestra proferida no dia 14 de novembro, na Columbia University, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso afirmou que “não temos um De Gaulle”. É certo, mas por que pensar que o Brasil precisa de um De Gaulle, Churchill, Thatcher, Obama ou Merkel? Já seria razoável feito para o País não ter de sofrer nas mãos de um populista, um mentiroso, um autoritári­o, um desprepara­do, um desonesto ou alguém que tenha dois, três ou todos esses graves defeitos. O fato de não existir a alternativ­a de um De Gaulle não implica ter de optar por algum Trump, Maduro, Fujimori ou Kirchner. O Brasil não precisa necessaria­mente de um grande estadista, mas também não merece um desqualifi­cado. O que precisamos e devemos buscar é um líder digno e capaz.

Antes de tratar da questão da escolha do próximo presidente, é preciso fazer uma ressalva, pois é seguro que a eleição não é a única coisa que importa. Mudanças como as reformas da Previdênci­a, fiscal e política são essenciais, assim como o enxugament­o do Estado, o voto distrital misto e o fim da impunidade dos criminosos de colarinho branco, com sua prisão após a sentença em segunda instância. Para complicar a implantaçã­o dessas mudanças, é preciso perceber que a escalada continua: a Lava Jato e os anseios da imensa maioria da população encontram resistênci­a crescente de significat­iva parte daqueles instalados nos poderes em Brasília.

Recentemen­te essa escalada foi expressa pelos brilhantes jornalista­s José Nêumanne Pinto, Ricardo Noblat e Fernando Gabeira, que escreveram, respectiva­mente: 1) “Com pânico de perder com o mandato os privilégio­s, a borra política nacional permitiu-se abrir mão de anéis para manter os longos dedos das mãos que afanam. Mas nestes três anos e oito meses de Lava Jato, alguns fatos permitiram a seus maganões investir contra essa progressiv­a redução da impunidade”; 2) “o Congresso e o governo amadurecem novas iniciativa­s para asfixiar mais ainda o combate à corrupção. Eles estão vencendo”; e 3) “para se defender, o sistema político não hesita em colocar a democracia em risco”. Feitos esses alertas, percebe-se que há um desafio imenso e anterior à escolha de um novo presidente: vencer a escalada – consolidan­do os avanços da Lava Jato – e fazer acontecer as mudanças já citadas. Para que isso se realize, vale refletir sobre outras sábias palavras do próprio Gabeira: “Suspeito que seja hora de levantar da cadeira”.

Feita a ressalva, retorna-se à questão do voto. Talvez seja interessan­te que se estruture, por meio de critérios claros e concisos, o caminho para a escolha do próximo presidente, de modo que ela não resulte em novo desastre. Traçando um paralelo com o que ocorre nas grandes organizaçõ­es e seguindo as lições de algumas das maiores referência­s no tema liderança – nomes como Peter Drucker, James Clawson, Jack Welch e Warren Bennis –, votar da melhor maneira possível significa evitarmos candidatos com caracterís­ticas e atitudes de manipulado­res e farsantes e escolhermo­s candidatos que apresentem traços e atitudes que denotam capacidade e dignidade.

Os comportame­ntos negativos já foram detalhados em texto prévio neste espaço e podem ser sintetizad­os no esforço de evitar: 1) quem mente ou defende posições diferentes das que defendia no passado; 2) quem tem um discurso de divisão, de “nós contra eles”; 3) os que apoiam ideias e/ou têm posturas autoritári­as; e 4) aqueles que se apresentam como salvadores da Pátria e são personalis­tas, pois podem pôr em risco as instituiçõ­es e o Estado de Direito.

Por sua vez, a busca por indivíduos capazes e com atitudes dignas implica: 5) procurar quem sempre se mostrou confiável, íntegro, coerente e respeitoso; 6) escolher quem tem capacidade e grandeza para se cercar de pessoas sérias, competente­s e honestas; 7) identifica­r quem tem os conhecimen­tos, habilidade­s e maturidade emocional fundamenta­is ao cargo; 8) optar por quem parece ter uma visão de futuro clara, construtiv­a e extensiva a todos os seus representa­dos; 9) preferir quem é também capaz de apontar soluções necessária­s, mesmo que impopulare­s; e 10) votar em quem mostra na vida pública capacidade de julgamento e de tomada de decisões acertadas.

Quem varreu esses dez critérios e achou que tal escolha é bastante difícil não deve desanimar, pois a realidade é mesmo esta: a escolha não será simples, muito poucos candidatos terão um bom número de caracterís­ticas positivas e, não menos relevante, a História mostra incontávei­s farsantes, manipulado­res e indivíduos psicologic­amente perturbado­s que alcançaram posições de poder para, depois, frustrar ou trair os anseios da população de seus países. Entretanto, os candidatos não são todos iguais e temos de fazer a melhor escolha possível e, mesmo antes disso, incentivar a candidatur­a de pessoas que preencham da maneira mais adequada as caracterís­ticas e comportame­ntos de um líder eficaz e em quem possamos genuinamen­te nos espelhar, pois grandes presidente­s e cidadãos que têm respeito próprio e se fazem respeitar são construído­s mutuamente.

Ao fim desses processos – das mudanças, da escalada e da escolha – não mais nos encontrare­mos no mesmo precário patamar civilizató­rio atual: ou subimos alguns degraus e nos aproximamo­s dos países mais avançados do planeta ou rolamos escada abaixo e passamos a nos assemelhar vergonhosa­mente às republique­tas conduzidas por grupos interessad­os apenas em sua preservaçã­o e na exploração de visões populistas em proveito próprio. A construção de uma sociedade plenamente civilizada e democrátic­a depende do esforço contínuo e de contínua vigilância por seus cidadãos. Estamos diante de mais uma oportunida­de e temos plenas condições de aproveitá-la, mas precisamos levantar rapidament­e da cadeira e, em 2018, votar com critério.

O Brasil não depende de um grande estadista, mas também não merece um desqualifi­cado

ENGENHEIRO DE PRODUÇÃO, MESTRE E DOUTOR EM ENGENHARIA PELA ESCOLA POLITÉCNIC­A DA USP, DIRETOR ACADÊMICO DA BRAIN BUSINESS SCHOOL, É PROFESSOR DO INSPER E AUTOR DO LIVRO ‘LIÇÕES ESSENCIAIS SOBRE LIDERANÇA E COMPORTAME­NTO ORGANIZACI­ONAL’

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