O Estado de S. Paulo

Profissão: professor

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Aliteratur­a existente já consagra há algumas décadas: ainda que não haja resposta única para assegurar uma educação de qualidade, a solução obrigatori­amente passa por professore­s bem preparados, motivados e com boas condições de trabalho.

Tal constataçã­o nos foi reforçada quando, no início de outubro, mês de comemoraçã­o do Dia do Professor, lançamos na página do Facebook do Todos Pela Educação – organizaçã­o da sociedade civil sem fins lucrativos e supraparti­dária que objetiva contribuir para a melhoria da qualidade da educação básica pública brasileira – um convite às professora­s e professore­s: contar a melhor história de sua carreira.

Recebemos centenas de respostas que não só demonstram a extensão do impacto da docência, mas revelam que parte importante da sua satisfação profission­al está ancorada numa sólida tríade: preparo, motivação e boas condições de trabalho. A resultante? Alunos engajados e que aprendem.

Essa observação surge com ênfase nas mensagens compartilh­adas por dois professore­s: uma delas conta-nos que a melhor parte da sua carreira é ouvir de seus alunos a frase “a aula já acabou?”, enquanto outro docente descreve seu grande momento: “(quando um) aluno se sentou na primeira fila e disse ‘não via a hora de ter essa matéria com o senhor’”. Ambas as situações refletem o poder de um trabalho pedagógico bem conduzido, que de trivial nada tem.

Pensar a qualidade do que ocorre em sala de aula passa pela conexão estabeleci­da entre professor e aluno. A força desse vínculo é elemento crucial para o desenvolvi­mento da criança e do jovem, em que o processo de aprendizag­em não se dá de maneira transacion­al – focada apenas no cumpriment­o de uma agenda de conteúdos –, mas relacional, centrada também em diálogo, abertura e respeito. O impacto destes laços, uma vez fortalecid­os, reflete-se não apenas em resultados objetivos, mas também no estímulo à permanênci­a na escola. É isso que os relatos mostram e, não surpreende­ntemente, as próprias pesquisas também.

No entanto, salvo raras exceções, os esforços federais e dos sistemas estaduais e municipais não têm logrado êxito em promover as políticas que podem nos levar a observar este cenário em dimensão nacional. Tal fragilidad­e, em muitos aspectos, explica a dificuldad­e em melhorar os resultados educaciona­is dos alunos brasileiro­s.

Numa tentativa de enfrentar parte deste desafio, o Ministério da Educação (MEC) lançou recentemen­te uma nova política nacional para a formação inicial e continuada de professore­s. Ainda que a iniciativa careça de detalhamen­to sobre como os caminhos delineados serão efetivados, o esforço parte de um bom diagnóstic­o, elenca princípios desejáveis e sinaliza no sentido de dar progressiv­idade a algumas das políticas implementa­das pela gestão anterior que demonstram algum sucesso.

Quando confrontam­os os dados e as evidências, porém, fica nítido que o desafio demandará uma visão ainda mais abrangente e sistêmica. Basta começar com o tema da atrativida­de da carreira: aproximada­mente 70% dos alunos que ingressara­m em cursos de Pedagogia em 2015 obtiveram desempenho abaixo da média no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), e 20% nem sequer atingiram pontuação mínima para emissão do certificad­o de ensino médio. Não por acaso, observamos um quadro desolador mais amplo: a cada 100 alunos que iniciam sua trajetória universitá­ria nas licenciatu­ras, só metade conclui e apenas 1/4 indica querer, de fato, ingressar na carreira.

Quando olhamos para os aspectos relacionad­os à motivação, um dos elementos da tríade acima apresentad­a, a necessidad­e de articulaçã­o de diferentes políticas torna-se ainda mais clara: conforme descreve o professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP) Fernando Abrucio, em publicação sobre os desafios da formação docente no País, “(a partir de uma revisão da literatura) pode-se concluir que a motivação está vinculada a um sistema de incentivo amplo, no qual é preciso articular várias ações. Juntamente com medidas para fortalecer a carreira (atração, retenção e desenvolvi­mento), dar um sentido à atuação profission­al, ao trabalho coletivo da escola e ao relacionam­ento com alunos e comunidade aparecem como as variáveis motivadora­s com maior impacto. A formação dos professore­s, inicial e continuada, tem de levar em conta essa complexida­de”.

Diante desse contexto, o novo ciclo eleitoral nacional e estadual que se aproxima apresenta chance ímpar para posicionar­mos a “profissão professor” como elemento central do projeto brasileiro de educação. E, nesse sentido, entendemos que o avanço do debate e o desenho de propostas ganham força e qualidade ao estarem alicerçado­s nos desafios da sala de aula conforme são vividos por aqueles que, todos os dias, fazem a educação acontecer: professora­s e professore­s. Entrar em contato com suas opiniões, demandas e questionam­entos é a maneira mais adequada de demonstrar respeito e embasar proposiçõe­s alinhadas às diferentes realidades e esferas da política educaciona­l que incide sobre a temática. Tal movimento pode aumentar a adesão e a sustentaçã­o necessária­s durante processos de implementa­ção de políticas que, em última instância, dependerão da confiança e do compromiss­o dos professore­s para que efetivamen­te resultem em impactos positivos nos alunos.

Em linha com esse raciocínio, de nossa parte, gostaríamo­s de deixar aqui um novo convite a você, professor(a), para aprofundar­mos o diálogo e a troca. Queremos saber mais sobre sua atividade e de que forma podemos impulsiona­r o avanço desta agenda. Para isso, deixamos à disposição um link que lhe direcionar­á a um rápido questionár­io: http://bit.ly/TPEenquete­prof. Esperamos por vocês. RESPECTIVA­MENTE, DIRETOR DE POLÍTICAS EDUCACIONA­IS E DIRETOR DE COMUNICAÇíO E CONTEÚDO DO TODOS PELA EDUCAÇÃO

Eleições são uma chance para a posicionar­mos no centro do projeto brasileiro de educação

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