Uma capital em transformação
Revitalização do aeroporto, novo hotel e um skyline ainda repleto de gruas. Com a ampliação dos voos que têm Adis-Abeba como ponto de conexão, a cidade começa a ganhar novo panorama
O suingue de pescoço da dançarina quase me deixou com torcicolo. Só de olhar. Esse foi o resultado de 24 horas em Adis-Abeba, capital da Etiópia. Minha passagem por lá foi rápida. Claro, um dia é insuficiente para conhecer aquela que é a maior cidade do país e sede das nações africanas. Mas mesmo com o tempo exíguo, Adis (como é carinhosamente chamada por locais) se mostra elétrica e cativante.
O aeroporto internacional está passando por um processo de revitalização. Então, não espere algo muito organizado: alguma confusão na chegada é certa. Não estresse.
A reforma do aeroporto e do entorno está sendo patrocinada pela companhia aérea do país, a Ethiopian Airlines (uma estatal com gestão independente). Além do aeroporto, um hotel de luxo está sendo construído para, entre outras coisas, abrigar passageiros em trânsito. Nos últimos anos, a Etiópia vem se tornando um importante ponto de conexão, com operação em aeroportos de 100 destinos internacionais nos cinco continentes.
A cidade que cresce, e se transforma, ao redor do aeroporto, quer ser vistosa e um tanto americanizada. Os primeiros sinais de um centro financeiro começam a aparecer. No momento, muitos prédios estão em construção – sinal que a paisagem deve mudar totalmente em dois ou três anos.
Ao avançar um pouco mais em direção ao coração da Adis é possível encontrar-se com algo bastante semelhante às periferias de grandes cidades brasileiras. Minha experiência foi em horário de pico, passando por áreas comerciais e terminais de ônibus. Gente saindo do trabalho, gente fazendo compras, gente... Lamentei não poder curtir mais aquele lado caótico de cidade grande. A diferença do centro para a área do aeroporto é evidente. Assim como no Brasil, a divisão de classes sociais se faz visível na desigualdade dos bairros ou regiões. Embora a imagem de um país miserável tenha se cristalizado no nosso imaginário, principalmente se você viveu os anos 80, período em que a Etiópia enfrentou uma grande seca, o que se vê é uma capital em expansão.
Encontro com Lucy. Cheguei a tempo para uma visita à Lucy, que está no Museu Nacional da Etiópia. Lucy é o esqueleto de um australopitecus fêmea, um hominídeo bípede, encontrado em 1974 no Vale Awash, no centro da Etiópia. O nome é uma homenagem à canção dos Beatles Lucy in The Sky of Diamonds, música que era cantada pelos arqueólogos para comemorar o sucesso em encontrar vestígios de civilização. Em razão da extrema fragilidade de seus ossos, Lucy está acondicionada em uma caixa especialmente projetada para evitar novos desgastes. Ela teria vivido há 3,2 milhões de anos.
À noite fui conhecer um restaurante/casa de show chamada Yod Abyssinia. A entrada imita um castelinho e a decoração exagerada me fez pensar que tínhamos caído em um desses típicos lugares pega-turista, que carnavalizam a tradição e embalam tudo de um jeito opaco e inofensivo. Fiquei feliz em perceber que estava enganado.
O local tem um bufê de comidas típicas que cobre todas as curiosidades gastronômicas locais. Além disso, o show é conduzido por músicos que não fazem feio à tradição jazzística da Etiópia (entre os grandes nomes do país está o do músico Mulatu Astatke, um dos mais cultuados da África).
A surpresa da noite fica por
conta da esketa, dança tradicional em que a cabeça e os ombros de quem baila parassem em desacordo com o resto do corpo. É como se o pescoço deles fosse a nossa cintura. É lindo, mas dói só de ver. Meu voo de volta foi logo na manhã do outro dia. Tive medo de ter de enfrentar quase 12 horas de voo com torcicolo. Não foi o caso. Ainda bem.