O Estado de S. Paulo

A falsa luta de classes

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A atual versão de Lula da Silva só engana quem se recusa obsessivam­ente a enxergá-lo como o falastrão que é.

Os petistas e seus associados nos sindicatos e nos soi-disant “movimentos sociais” há muito sustentam a farsa segundo a qual representa­m a “classe trabalhado­ra” na luta contra o “capital”. Como já ficou claro para boa parte dos brasileiro­s, essa fraude se presta apenas a esconder o verdadeiro e único objetivo da tigrada: tomar o poder e transforma­r o Estado em provedor permanente de renda para os ergofóbico­s travestido­s de líderes populares, em associação com empresário­s muito interessad­os no capitalism­o sem riscos que um regime assim naturalmen­te oferece. Foi o que aconteceu na trevosa era lulopetist­a.

Portanto, fora do discurso caviloso dos radicais de ocasião, nada havia remotament­e assemelhad­o a uma “luta de classes” na época em que Lula da Silva e Dilma Rousseff estavam no governo. Luta havia, mas era a dos oportunist­as contra os brasileiro­s que desejam apenas trabalhar e pagar suas contas, prejudicad­os por um Estado que, sob o disfarce da defesa de “direitos sociais”, drena escassos recursos públicos para uns poucos privilegia­dos.

Defenestra­dos do poder em razão do impeachmen­t de Dilma, os petistas trataram de atribuir vigor renovado à empulhação da tal “luta de classes”. O líder do Movimento dos Trabalhado­res Rurais Sem Terra (MST), João Pedro Stédile, por exemplo, disse que, “pela primeira vez na história do Brasil, teremos uma eleição que será a luta de classes em seu sentido mais claro de luta ideológica: de um lado algum candidato do capital, e do nosso lado, Lula”. Segundo Stédile, “o embate na campanha será tremendo, será uma verdadeira guerra ideológica”, e nesse confronto “Lula tornou-se expressão do atual momento da luta de classes e da vontade dos movimentos populares”.

O conceito marxista de “luta de classes”, que reduz a complexida­de do mundo do trabalho ao termo “proletaria­do” e elimina o indivíduo como sujeito histórico, transformo­u-se no Brasil em muleta intelectua­l que tudo explica – pelo menos para quem prefere o conforto da ideologia ao labor da razão. Tal simplifica­ção grosseira se presta exclusivam­ente a mobilizar a militância, impulsiona­da pela ideia de que participa de um confronto transcende­ntal que serve como “motor da história”, do qual resultará, segundo a profecia marxista, a igualdade absoluta entre os homens.

Quem conhece um pouco de história e de Lula da Silva, porém, percebe de saída que se trata de uma patacoada. O chefão petista não é e nunca foi de esquerda, muito menos revolucion­ário. O ex-líder sindical construiu sua carreira política como um pragmático, que tem um discurso pronto para cada tipo de plateia que se dispõe a ouvi-lo – ele mesmo já se qualificou como uma “metamorfos­e ambulante” e já declarou admiração por Hitler, o tirano, e por Gandhi, o pacifista. Na atual campanha eleitoral, Lula grita contra os “golpistas”, mas não se envergonha de aliar-se a vários dos políticos que ajudaram a derrubar Dilma Rousseff. Portanto, a atual versão de Lula, que pretende ressuscita­r a “luta de classes” na forma de um confronto entre ricos e pobres, só engana quem se recusa obsessivam­ente a enxergá-lo como o falastrão que é.

Os únicos propósitos de Lula neste momento são, nesta ordem, livrar-se da cadeia e manter a militância petista nas ruas para salvar com o seu – dele povão, e nunca da elite dirigente lulopetist­a, que tem ojeriza a qualquer esforço – suor o que resta do potencial eleitoral de seu partido, miseravelm­ente comprometi­do em razão dos escândalos de corrupção e do desastre econômico causado pelo governo Dilma.

Para isso, vale até mesmo instigar seus simpatizan­tes a causar tumultos no dia 24 de janeiro, quando está marcado o julgamento em segunda instância de Lula. “A hora é de ação, e não de palavras. De transforma­r a fúria, a revolta, a indignação e mesmo o ódio em energia, para a luta e o combate”, escreveu José Dirceu, outro revolucion­ário de fancaria. Apelar à surrada “luta de classes”, na qual Lula jamais acreditou, tornou-se assim, ironicamen­te, a única alternativ­a para o chefão petista. Seria cômico, não fossem Lula, Dirceu e a tigrada o que são.

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