O Estado de S. Paulo

Caderno2 Festa animada

‘Viva’ celebra a tradição mexicana de festejar os antepassad­os

- Mariane Morisawa ESPECIAL PARA O ESTADO LOS ANGELES

Viva mostra outra forma de celebrar os mortos.

Em 2011, pouco depois de lançar Toy Story 3, o diretor Lee Unkrich estava pensando em qual seria seu próximo projeto. Numa das atrações da Disney World, viu uma banda de mariachis em forma de esqueleto e teve um momento ‘eureca’: a tradição mexicana do Dia de los Muertos daria uma bela de uma animação.

“Sempre achei interessan­te, mas não conhecia muito”, disse Unkrich em entrevista ao Estado, em Los Angeles. “Quando comecei a pesquisar, descobri o aspecto familiar e que não se tratava apenas de esqueletos coloridos e de rir da morte. Tinha a ver com o dever de se lembrar das pessoas amadas e passar suas histórias adiante.” Em suma, era um cenário perfeito para um filme da Pixar.

O que Unkrich não sabia é que Viva – A Vida é uma Festa, que estreia hoje no País, seria lançado num momento de especial ressonânci­a para uma celebração da rica cultura mexicana. “Nós nos sentimos honrados de colocar algo no mundo que tem uma mensagem positiva numa época de tanta negativida­de”, disse, referindo-se ao ambiente criado durante a última campanha presidenci­al dos Estados Unidos e o primeiro ano do governo de Donald Trump, que pintou mexicanos como estuprador­es, traficante­s e assassinos e prometeu um muro “grande e bonito” entre os dois países.

O personagem principal é Miguel (Anthony González, na versão em inglês), um garoto que vive na vila de Santa Cecilia, numa casa com vários de seus familiares, inclusive sua avó e bisavó – a Coco do título original, que está perdendo a memória. Miguel é apaixonado por música, proibida na casa. A razão é uma decepção do passado. Querendo participar de uma competição, ele tenta tomar emprestado o violão da tumba de Ernesto de la Vega (Benjamin Bratt), o famoso cantor que saiu de Santa Cecilia para conquistar o mundo. Algo dá errado, e ele vai parar na Terra dos Mortos, um lugar colorido e vibrante, onde reencontra seus familiares que já passaram desta para melhor.

Como é praxe nos filmes da Pixar, a equipe de Viva – A Vida é uma Festa fez diversas viagens ao México para captar os detalhes da cultura. O filme absorveu elementos como o uso dos cravos de defunto, cujo perfume guia os mortos, e as ofrendas, que são altares para lembrá-los, além dos cachorros conhecidos como Xolo, do papel picado, enfeites de papel recortado, e dos alebrijes, esculturas coloridas de criaturas míticas. Mas talvez o maior trunfo tenha sido promover o roteirista Adrian Molina, de origem mexicana, a codiretor.

“Quando era criança, morava numa casa com várias gerações da minha família”, contou Molina. “Meus avós tinham se mudado do México para os Estados Unidos e só falavam espanhol. Minha geração só falava inglês, e meus pais ficavam no meio. Mas cada um tinha algo a ensinar e a aprender. Não há por que recorrer a clichês se você pode usar a beleza real dessas tradições.”

O Dia de los Muertos é celebrado na mesma data de Finados no Brasil, mas o significad­o é bem diferente. “É como uma reunião de família, pois se trata do dever de se lembrar dos seus antepassad­os”, disse Molina. “Muita gente se surpreende, porque é uma festa edificante, de celebração. Acho que ao assistir ao filme as pessoas vão perceber como isso pode fazer bem à alma. E que é uma bela cultura, da qual os mexicanos devem ter orgulho.”

Mesmo sem ter nada de latino-americano, Lee Unkrich contou ter absorvido o costume de fazer ofrendas para seus antepassad­os – o diretor perdeu seu pai poucos dias depois da estreia do filme nos EUA. “Tenho caixas de fotos da família e nem sei quem são ou sei muito pouco sobre eles. Gostamos de pensar que a totalidade do nosso ser vai ser preservada, mas a verdade é que só se fizermos um esforço isso vai acontecer.” Ele passou a fazer mais perguntas e a gravar pessoas da família.

O ator mexicano Gael García Bernal, que dedicou o longa aos garotos e garotas latinos crescendo nos Estados Unidos hoje, acha que é uma oportunida­de de sentirem orgulho e mostrarem ao mundo sua cultura. “Eles têm ouvido que seus pais, seus avós, seus bisavós são criminosos. Acho que o filme ajuda a terem confiança.” Nos EUA, arrecadou respeitáve­is US$ 156 milhões, menos do que os US$ 248 milhões de Moana e os US$ 486 milhões de Procurando Dory. Foi um estouro no México, com US$ 56 milhões (contra US$ 12 milhões de Moana e US$ 31 milhões de Divertida Mente). Mas Viva tem tido resposta surpreende­nte em alguns países – na China, por exemplo, o longa arrecadou mais de US$ 150 milhões, cinco vezes mais do que Moana e dez vezes mais do que Divertida Mente.

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DISNEY PIXAR Animação. Nos cinemas, em momento difícil para a relação entre Estados Unidos e México
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DISNEY PIXAR Entre culturas. Maior trunfo foi ter promovido o roteirista mexicano Adrian Molina a codiretor

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