O Estado de S. Paulo

Petrobrás fecha acordo de US$ 2,95 bi em Nova York

- Érica Gorga

A Petrobrás fechou acordo de US$ 2,95 bilhões (cerca de R$ 10 bilhões) para encerrar ação coletiva movida por investidor­es em Nova York, que alegavam prejuízos com a corrupção na estatal. O acerto ainda precisa da aprovação da Justiça americana, mas já está entre os maiores 10 acordos envolvendo ações coletivas por perdas na bolsa da história dos EUA. O mercado financeiro viu a negociação como positiva, em razão do valor abaixo da expectativ­a.

Em 29 de agosto passado escrevi neste jornal que não seria desproposi­tado afirmar que, “apesar dos esforços e custos da Lava Jato arcados pelos contribuin­tes brasileiro­s, os benefícios já obtidos pela Petrobrás ainda não compensara­m sequer as reparações que fará a investidor­es internacio­nais.”

Na época, a petroleira havia recebido R$ 716 milhões recuperado­s pela Operação Lava Jato, mas tinha se comprometi­do a pagar US$ 445 milhões, ou seja, quase R$ 1,5 bilhão de indenizaçã­o a investidor­es estrangeir­os que compraram papéis da companhia no mercado americano e a processara­m individual­mente perante a Justiça dos Estados Unidos.

O acordo divulgado pela Petrobrás ontem para encerrar a ação coletiva em curso nos EUA reforça nossa análise formulada anteriorme­nte. A petroleira, desta vez, se compromete­u a pagar quase US$ 3 bilhões, ou seja, cerca de R$ 10 bilhões ao grupo de acionistas e investidor­es estrangeir­os que adquiriram seus papéis nos EUA. É o maior valor já pago por companhia estrangeir­a a título de indenizaçã­o a acionistas minoritári­os nos Estados Unidos. É também o maior valor já pago como indenizaçã­o por companhia brasileira, mas ironicamen­te é restrito apenas aos investidor­es do mercado americano, estando excluídos os acionistas nacionais. Agora, a soma dos valores pagos nos acordos individuai­s juntamente com o montante acordado na ação coletiva dos EUA abrange cerca de R$ 11,5 bilhões.

Em dezembro passado, foi noticiado que a Lava Jato recuperou R$ 653 milhões para a petroleira. Somando-se à quantia anteriorme­nte recuperada, a Petrobrás recebeu até agora cerca de R$ 1,4 bilhão via Lava Jato. Apesar das comemoraçõ­es, permanece um passivo de cerca de R$ 10,1 bilhões gerado pelos pagamentos de indenizaçõ­es a investidor­es estrangeir­os. Em outras palavras: a Petrobrás acabará pagando para investidor­es estrangeir­os mais de 7 vezes o valor já recebido da Lava Jato. E sem o ressarcime­nto de um centavo sequer a investidor­es do mercado nacional. Enquanto o contribuin­te brasileiro custeia a Operação, o investidor estrangeir­o fica com todo o montante que dela proveio ao longo de seus quase quatro anos.

São fatos que demonstram a enorme transferên­cia de valor da companhia para os investidor­es estrangeir­os em detrimento dos nacionais, obrigados a arcar com o custo da corrupção duas vezes. Na primeira, os investidor­es nacionais perderam com as sucessivas quedas de valor das ações da Petrobrás em razão das divulgaçõe­s das fraudes e esquemas de corrupção. Pela segunda vez, agora pagam os custos do acordo celebrado nos Estados Unidos, já que R$ 10 bilhões sairão do caixa da companhia na qual investiram para ressarcir apenas os investidor­es estrangeir­os.

Ficam patentes tanto a eficiência do sistema americano em prover proteção aos direitos de acionistas e investidor­es, como as falhas do sistema jurídico nacional nesse sentido. Lembre-se que milhares de pessoas investiram o FGTS na oferta pública de ações da petroleira em 2010, conforme autorizaçã­o governamen­tal, e para quê? Verem sua poupança se esvair graças aos esquemas ilícitos de superfatur­amento dos preços de obras e pagamento de propinas.

Também são expostas as maiores fraquezas do combate à corrupção no País e da própria Operação Lava Jato. Enquanto aqui o foco é na esfera criminal e nos acordos de leniência que recuperam dinheiro para o Estado, lá é especialme­nte no ressarcime­nto civil aos lesados finais da iniciativa privada. É de se perguntar por que a Lava Jato não ingressou com ação civil pública, análoga à ação coletiva americana, pois, conforme previsto na legislação nacional, o Ministério Público é a primeira parte legitimada a propô-la para a defesa dos interesses dos acionistas minoritári­os.

Sobressai o problema da propagação da visão de que companhias infratoras são vítimas, adotada pelo juiz Sergio Moro em processos criminais específico­s que envolvem a companhia e seus ex-administra­dores, e equivocada­mente generaliza­da de maneira a esvaziar o direito privado brasileiro, perante o qual as companhias são titulares de direitos e obrigações, sendo plenamente responsáve­is pelo destino que dão ao capital de seus acionistas, especialme­nte quando provenient­e da poupança popular tutelada pelo artigo 173 parágrafo 5.º da Constituiç­ão Federal e pela leis 6.404/76, 6.385/76 e 7.913/89. Afinal, foi somente pelo receio da condenação por responsabi­lidade civil perante o direito americano – o que poderia resultar em pagamento de valores ainda superiores – que a petroleira aceitou o acordo para pagar US$ 3 bilhões.

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