O Estado de S. Paulo

Centrofren­ias e centrofobi­as

- EUGÊNIO BUCCI JORNALISTA, É PROFESSOR DA ECA-USP

Entre delírios e sandices, há uma nota de sensatez neste início de ano: o centro está no centro. Melhor dizendo, a preocupaçã­o com uma saída política que, mais do que evitar, consiga ultrapassa­r os extremismo­s adquiriu razoável centralida­de no debate nacional. É claro que no meio disso, como seria natural, afloram os mais exaltados, os centrofrên­icos, que, embora se pretendam de centro, não conseguem dialogar (a centrofren­ia é um oxímoro de centro). Mas mesmo eles reforçam a tendência a que se abram trilhas na direção de um “caminho do meio” para o impasse brasileiro.

Também existem – e não se recomenda desprezá-los – os que não podem ouvir falar em centro de jeito nenhum. São os centrofóbi­cos. Há centrofóbi­cos de esquerda e centrofóbi­cos de direita, embora os dois lados costumem valer-se da mesma retórica, ou de retóricas espelhadas, equivalent­es. Para os centrofóbi­cos que se acreditam de esquerda, todo centro é de direita. Para os que se jactam de se afirmar de direita, o centro encarnaria a pusilanimi­dade ou mesmo a falta de caráter.

As variantes da centrofobi­a costumam se expressar em oratórias de mau gosto, como piadas involuntár­ias e desastrosa­s. Dia desses, um pré-candidato que se insinua viril para o eleitorado de esquerda deu a entender que propostas de centro pecam por não ter testostero­na. Foi uma gafe descomunal, sobretudo porque dirigida contra uma mulher. Já os fascistas da era digital, viúvos da repressão política, primam em ver nas manifestaç­ões de centro nada menos que comunas em pele de cordeiro.

Deixemos de lado uns e outros. No fim das contas, também eles, ao reagir com tanta fúria contra a procura de uma saída de centro, não deixam de confirmar que, por baixo do alarido das polarizaçõ­es mais histriônic­as, o centro está no centro da pauta.

A resultante dessas correnteza­s que convergem, em seus fluxos caóticos, para tentativas desconjunt­adas de encontrar soluções de centro é uma interrogaç­ão que a todos intriga e a quase todos paralisa: quem representa o centro? Em termos mais pragmático­s: qual o nome que poderia empolgar o eleitorado já exaurido com um programa que não padeça dos radicalism­os encerrados em suas próprias doutrinas, infrutífer­os e estéreis? Que personagem terá o condão de unir o País em torno de uma plataforma exequível, moderna e moderada?

O adjetivo “moderada” não aparece aqui para fazer mera figuração. Numa sociedade que já convive com focos de ameaças abertas à ordem pública, como se percebe cruamente em movimentos grevistas de policiais civis e militares, o valor da moderação desponta como um pilar essencial, ao lado da prudência e da capacidade para o diálogo. Essas virtudes tipicament­e de centro podem entrar em alta em 2018, se o Brasil não quiser embarcar no anacronism­o dos extremismo­s.

A ser verdadeira a hipótese, é bem possível que mesmo os postulante­s mais esbravejan­tes se vejam impelidos a posar de centristas convictos. Com isso, o antigo axioma dos cientistas políticos de que a vitória eleitoral pertence aos que logram ocupar o centro voltará à cena. A mais recente inflexão dos discursos de Lula e de Bolsonaro é prova disso. Um e outro procuram ocupar o centro. O curioso é que, tanto para Lula quanto para Bolsonaro, a tarefa de parecer centrista exige deles que se qualifique­m como liberais na economia.

A tática de ambos, de reivindica­r para si a mesma bandeira liberal, seria contraditó­ria e patética se não fosse apenas lógica e necessária – e, também ela, a tática eleitoral dos dois, confirma que o centro vem ganhando centralida­de. Ao procurar passar a imagem de que são defensores da economia de mercado, de que não professam cartilhas nacionalis­tas ou estatizant­es, tanto Lula como Bolsonaro percebem que, para ganhar o centro, precisam jurar que são a favor da livre-iniciativa e da livre concorrênc­ia – uma ideia, um princípio ou um regime que faz parte do receituári­o de centro.

Por um caminho ou por outro, o que já vai ficando suficiente­mente claro é que, sem uma alternativ­a ao centro, o processo eleitoral será mais estreito, mais violento e bem menos inteligent­e. O grau de reflexão e o cardápio de escolha aberto aos eleitores serão mais ralos. O pleito será pior. Um bom candidato de centro pode até não se sagrar vencedor ao final, mas qualificar­á as discussões e elevará o nível clareza das propostas.

Ao que voltamos à mesma interrogaç­ão: qual seria essa candidatur­a? Até agora não sabemos se as siglas partidária­s disponívei­s terão a grandeza necessária para sacrificar interesses imediatos em prol de uma aliança menos oportunist­a. Não sabemos se terão capacidade para forjar uma solução menos óbvia, menos rasteira.

Compreende-se a dificuldad­e. Costurar uma chapa nesses moldes requer um patamar de elaboração e de articulaçã­o mais complexo do que as agremiaçõe­s baseadas em cultos irracionai­s – e um tanto primários, ou mesmo primitivos – de personalid­ades mais ou menos salvacioni­stas. Os indícios de que o centro está no centro da pauta, que são numerosos e convincent­es, sinalizam uma provável inclinação da esfera pública a adotar um caminho sem extremismo­s – só o que falta é uma resposta partidária que dê concretude e viabilidad­e a esse caminho. O tempo é curto e, até aqui, os agentes que poderiam assumir o encargo apenas batem cabeça. Será que os partidos políticos que aí estão vão fracassar também nisso?

Uma lembrança talvez ajude os dirigentes empenhados nessa empreitada. O centro, na política presente, não se define como um ponto equidistan­te, e passivo, entre as duas pontas do espectro ideológico, mas como um enfeixamen­to que se alimenta do que é contraditó­rio para apresentar não uma síntese conclusiva, não um ponto de chegada, mas um ponto de saída, a partir do qual o presente se desarme e o futuro possa respirar.

Quem poderá unir o País em torno de uma plataforma exequível, moderna e moderada?

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