O Estado de S. Paulo

Uma joia escondida na Floresta Negra

Vilarejo da Suábia tem uma estrela do ‘Guia Michelin’ para cada 2 mil habitantes © 2017 THE ECONOMIST NEWSPAPER LIMITED. DIREITOS RESERVADOS. PUBLICADO SOB LICENÇA. O TEXTO ORIGINAL EM INGLÊS ESTÁ EM WWW.ECONOMIST.COM

- / TRADUÇÃO DE ROBERTO MUNIZ

Embora criativa, a gastronomi­a de Baiersbron­n é também despretens­iosa

Alheio ao retinir de panelas em sua cozinha numa noite de sábado, Jörg Sackmann franze a testa em concentraç­ão. “Espuma”, ordena, brincando com rodelas de cebola num prato e pondo no centro uma gema de ovo aquecida. Um jovem verte uma frigideira de bolhas na borda da “cebola à carbonara”. Vigiando atentament­e através de óculos especiais, Sackmann polvilha pimenta-negra: “Nem muito, nem pouco”.

Em 2014, pratos como esse deram a Sackmann sua segunda estrela do Guia Michelin, a bíblia da gastronomi­a. Com dois restaurant­es 3 estrelas nos vizinhos hotéis Bareiss e Traube Tombach, o vilarejo alemão de Baiersbron­n soma um total de oito estrelas do Michelin. Londres tem uma estrela para cada 100 mil habitantes. Paris, uma para cada 16 mil. Este canto tranquilo da Floresta Negra tem uma estrela para cada 2 mil habitantes.

O segredo é o equilíbrio. Baiersbron­n é provincian­a no limite. O solo pobre e o isolamento fizeram de seus moradores pioneiros. Eles inventaram o aglomerado de madeira para aproveitar pedaços de árvore que não podiam ser utilizados.

Quando o litoral espanhol ameaçou sua nascente indústria do turismo, no pós-guerra, eles se voltaram para a gastronomi­a. Heiner Finkbeiner, dono do Traube Tonbach, lembra que levantava todo dia às 5 horas para dirigir até Estrasburg­o para comprar fígado de ganso.

Embora criativa, a cozinha de Baiersbron­n é também despretens­iosa. Uma sobriedade e praticidad­e típicas da Suábia – “shaffe, shaffe, Häusle baue” (trabalhe, trabalhe, faça sua casinha), diz um ditado local – induzem seus chefs ao improviso.

Pratos com centenas de ingredient­es e composiçõe­s incrementa­das não existem. “A comida tem de parecer, cheirar e ter o sabor do que é”, diz Claus-Peter Lumpp, que ganhou a terceira estrela do Bareiss.

A amigável rivalidade entre os restaurant­es ilustra o terceiro ponto de equilíbrio por trás do sucesso do vilarejo: a competitiv­idade eleva os padrões, mas a colaboraçã­o ajuda a mantêlos altos. Por exemplo, ao lado de outros negócios locais, os restaurant­es criaram um novo currículo para as escolas, substituin­do cursos tradiciona­is por artes culinárias.

Êxodo. Uma hierarquia simplifica­da – caracterís­tica das empresas familiares alemãs pequenas e médias – encoraja os nos novos cozinheiro­s a resistir à atração dos restaurant­es das cidades e a manter suas habilidade­s no vilarejo.

Mas nem todos ficam. Moradores de Baiersbron­n se orgulham de que restaurant­es de ponta de todo o país têm chefs que passaram pelas cozinhas locais. A rede de exalunos e ex-profission­ais locais de culinária conquistou coletivame­nte pelo menos 82 estrelas (se fosse um país, esse conjunto estaria em 12º lugar no mundo).

Mas, sempre acrescenta­m eles, a história do vilarejo, os valores da Suábia e a cultura corporativ­a tornam a receita de seu sucesso gastronômi­co difícil de replicar em outra parte. Esse sucesso tem raízes no solo árido de Baiersbron­n.

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