O Estado de S. Paulo

Erro de cálculo

- ZEINA LATIF E-MAIL: ZEINA.LATIF@TERRA.COM.BR ZEINA LATIF ESCREVE ÀS QUINTAS-FEIRAS ECONOMISTA-CHEFE DA XP INVESTIMEN­TOS

Na esteira da crise dos Estados, agora é o Rio Grande do Norte que enfrenta as consequênc­ias do colapso das contas públicas. Com o atraso no pagamento da folha, policiais civis, agentes penitenciá­rios e bombeiros paralisara­m suas atividades, para prejuízo da sociedade. O orçamento do Estado está bastante comprometi­do. A despesa do Poder Executivo com a folha consumiu quase 57% da receita corrente líquida (RCL) no primeiro quadrimest­re de 2017, muito acima dos 49% estabeleci­dos pela Lei de Responsabi­lidade Fiscal (LRF) aos poderes executivos estaduais.

Não é caso isolado. Em maior ou menor grau, todos os estados sofrem com o peso elevado e crescente da folha. O gasto com pessoal ativo, inativo e pensionist­as nos Estados consumiu quase 60% da RCL em 2016, que é justamente o teto legal. Segundo o Tesouro Nacional, das 27 unidades federativa­s, 9 descumprem a LRF: MG, RJ, RS, PR, MS, PB, MT, GO e RN.

Inativos e pensionist­as já representa­m 40% da folha nos Estados, e a cifra vai aumentar. A partir de 2023, este grupo será mais numeroso que o de servidores ativos. O passivo atuarial da previdênci­a de Estados e municípios está em 86% do PIB.

Problemas estruturai­s exigem reformas estruturai­s. E várias. Não haverá reforma que sozinha dê conta do aumento já contratado das despesas com pessoal, especialme­nte consideran­do a rigidez do regime jurídico único dos servidores. A escolha da maioria dos governador­es, porém, tem sido de adiar as reformas. São poucos os casos de ajuste estrutural. Vale citar os bons exemplos de Alagoas, Ceará e Espírito Santo.

Enquanto isso, o governo federal não conseguiu exercer o papel de coordenado­r do ajuste. Um exemplo foi a renegociaç­ão da dívida dos Estados em 2016, que estendeu por 20 anos o prazo para seu pagamento ao Tesouro Nacional. A negociação foi precipitad­a pela combinação de oportunism­o dos Estados e equívocos do STF, representa­ndo derrota ao governo Temer. O STF estabelece­u prazo para que Estados e União entrassem em acordo sobre a dívida, a fim de solucionar o impasse em torno da fórmula utilizada para seu cálculo, com questionam­ento de vários governador­es no Supremo, que, inacredita­velmente, defendiam o uso de juros simples. 11 deles já haviam conseguido liminares favoráveis. Para piorar, as bancadas estaduais conseguira­m derrubar importante­s contrapart­idas do acordo que visavam o ajuste das contas dos governos estaduais.

O governo federal só conseguiu impor contrapart­idas para o Regime de Recuperaçã­o Fiscal (RRF), que se restringe aos poucos Estados que enfrentam situação de insolvênci­a (problemas de fluxo de caixa e estoque de dívida). Em troca da redução do pagamento de obrigações da dívida por 36 meses, será mandatório adotar a regra de teto de gastos, revisar incentivos tributário­s, conter gastos com pessoal e autorizar privatizaç­ões, entre outros. Por ora, apenas o Rio de Janeiro foi elegível.

Fazendo uma analogia com a medicina, o RRF seria como uma cirurgia bariátrica. É uma situação extrema indicada para poucos.

Não houve iniciativa­s para conter as dificuldad­es crescentes dos Estados que não atendem às condições para o RRF. E sequer houve apoio dos governador­es à reforma da Previdênci­a. Por ora, o que se faz é empurrar o problema, supostamen­te, para depois das eleições. Exemplos disso são o projeto que permite o uso de royalties do petróleo como garantia de operações de crédito; a PEC que estende em quatro anos o prazo para quitação de precatório­s e aumenta o limite para saque de depósitos judiciais; e a possibilid­ade de securitiza­ção de ativos (venda de créditos a receber no mercado financeiro). Isso sem contrapart­ida de reformas fiscais.

Pode até ser que se consiga, este ano, evitar novos casos com o do Rio Grande do Norte. Mas o risco é elevado. A capacidade de mobilizaçã­o das corporaçõe­s do funcionali­smo é potenciali­zada em anos eleitorais. Ao negar os ajustes, alguns governador­es podem ter errado no cálculo de riscos.

Não houve iniciativa­s para conter as dificuldad­es crescentes dos Estados

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