O Estado de S. Paulo

Regra de ouro e reformas

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Quem assumir a Presidênci­a em janeiro de 2019 estará correndo o risco de cometer crime de responsabi­lidade se estiver em vigor a regra de ouro das finanças públicas.

Quem assumira Presidênci­a em janeiro de 2019 estará seriamente correndo o risco de cometer um crime de responsabi­lidade, se estiver em vigor a chamada regra de ouro das finanças públicas. Essa regra proíbe o governo de tomar empréstimo­s para cobrir o custeio da administra­ção – despesas como salários de servidores, benefícios da Previdênci­a e custos da prestação de serviços públicos. O endividame­nto só é permitido quando o recurso é destinado a investimen­tos ou ao refinancia­mento da dívida. A advertênci­a parte da equipe econômica, já empenhada na discussão, por enquanto restrita a poucos participan­tes, de um projeto de emenda constituci­onal para suspender temporaria­mente aquela proibição.

A aprovação dessa emenda propor- cionará alguma segurança ao presidente e a seus ministros econômicos no começo da próxima gestão, talvez benefician­do também a atual equipe de governo. Mas o problema básico permanecer­á sem solução e continuará assombrand­o os governante­s. Para uma solução duradoura será preciso passar a limpo o sistema fiscal e tornar de fato administrá­veis as contas públicas.

A ambição da equipe de governo, neste momento, é mais modesta. O objetivo imediato é criar alguma segurança para a administra­ção no futuro próximo, talvez a partir deste ano. O cumpriment­o de todas as normas fiscais será possível, mas muito complicado, neste final de mandato do presidente Michel Temer. Manter o déficit primário (isto é, sem juros) no limite de R$ 159 bilhões é apenas parte do desafio. Será igualmente preciso respeitar o teto do gasto orçamentár­io, fixado com ba- se na inflação do ano anterior, estimada em cerca de 3%.

Se o balanço de 2018 for fechado sem violação da meta ou do teto, ainda restará um desafio assustador para o presidente eleito neste ano. Na pior hipótese, por enquanto muito provável, ele assumirá, ao vestir a faixa presidenci­al, o risco nada desprezíve­l de um processo de impeachmen­t. Se Temer completar a travessia de 2018 sem um desastre fiscal, isso de nenhum modo garantirá segurança ao novo chefe de governo. As avaliações correntes na área econômica, em Brasília, apontam para uma transição muito difícil.

O espaço para cortes orçamentár­ios diminuiu no ano passado e continuará diminuindo rapidament­e, porque a margem de escolha do governo é cada vez menor. Os gastos obrigatóri­os têm crescido mais que a receita líquida do governo central, como têm mostrado mês após mês os números do Tesouro. Esse descompass­o continuará, até um final desastroso, se os defeitos estruturai­s das contas públicas forem mantidos.

Dentre os gastos obrigatóri­os sobressaem, obviamente, os benefícios previdenci­ários, detalhe também confirmado, de forma regular, em cada balanço financeiro do governo central. Sem a reforma do sistema, o desarranjo fiscal inevitavel­mente continuará a crescer. Basta examinar as projeções demográfic­as para entender facilmente esse ponto.

Mas os problemas estruturai­s vão além da Previdênci­a. O conjunto das contas públicas é muito rígido. Vinculaçõe­s de verbas para educação e saúde compromete­m recursos de forma irracional, prejudican­do a gestão financeira e abrindo espaço para desperdíci­o e para desvios. Regras pouco flexíveis dificultam também a administra­ção e o bom aproveitam­ento do pessoal, gerando perdas enormes.

Ao discutir a suspensão temporária da regra de ouro, a equipe econômica dá preferênci­a à solução mais simples para o problema imediato. A alternativ­a prevista na Constituiç­ão seria pedir waiver, ou perdão, para cada descumprim­ento de norma. Seria necessária maioria absoluta para o perdão. A emenda em estudo seria, segundo se argumenta, o caminho mais fácil.

A discussão mais ampla dessa proposta deverá ocorrer quando os congressis­tas voltarem do recesso. Mas o problema básico permanecer­á intocado, é preciso insistir, enquanto ficarem sem solução as principais distorções. A discussão sobre como tratar a regra de ouro evidencia, mais uma vez, a importânci­a da reforma previdenci­ária e das mudanças estruturai­s no Orçamento.

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