O Estado de S. Paulo

Weslei Ajarda deixou periferia para estudar na Suíça.

Aos 18 anos, jovem gaúcho ganha bolsa para Alta Escola de Genebra

- Jamil Chade CORRESPOND­ENTE / GENEBRA

O dormitório de menos de 16 m² em que Weslei Felix Ajarda mora em Genebra mal consegue ter espaço suficiente para seu enorme instrument­o, sua mesa de estudo, sua cama e, acima de tudo, seu sonho. Até o banheiro fica fora, assim como a cozinha comum, numa espécie de residência para estudantes. Mas é ali que o garoto de apenas 18 anos passa entre cinco e seis horas por dia “vivendo música”.

O contrabaix­ista saiu em setembro de Guajurivas, periferia de Canoas (RS) e, graças a uma bolsa, foi para a Suíça, numa das escolas de música mais conceituad­as do mundo. Criada em 1835, a Alta Escola de Música de Genebra já contou com professore­s como Franz Liszt, Ernest Bloch e Marcel Moyse.

Sua viagem foi alvo de um amplo interesse no Brasil, principalm­ente depois que lançou uma campanha para coletar fundos para bancar sua estada numa das cidades mais caras do mundo. Aluno de escola pública e vivendo em uma casa modesta, sua família não teria condições de arcar com as despesas.

Passou por programas matinais de TV e lotou salas de concerto para angariar recursos. Com o sonho realizado, a hora agora é de trabalho. “Hoje, estou vivendo um sonho. Mas trabalhand­o”, disse. “Aqui, sei que sou só mais um e sei que terei de batalhar muito”, reconhece o garoto, com traços de menino e estatura de concertist­a.

Menos de quatro meses depois de chegar, ele já ganhou espaço. O gaúcho estreou em Genebra no Victoria Hall, um dos palcos mais famosos da Europa. Também conseguiu fazer cachês em orquestras, toca aos domingos na banda da igreja e, acima de tudo, se viu cara à cara com um dos maiores mestres do contrabaix­o, o italiano Franco Petracchi. “De repente, ele chegou à nossa aula e começou a contar histórias”, disse o gaúcho, ainda encantado por conhecer um de seus ídolos.

Se não bastasse, o garoto integra um quarteto com dois europeus e um mexicano. A comunicaçã­o entre eles? “A música.”

Weslei conta que, na Suíça, passou a descobrir que a música vai muito além do instrument­o. Seu curso exige que ele acompanhe aulas de história e também comportame­nto corporal. Orgulhosam­ente, ele mostra a enciclopéd­ia que está lendo, além dos cursos de contrapont­o, harmonia e tantos outros num bacharelad­o que durará três anos.

“Encontrei aqui muito mais do que esperava. O que mais surpreende é a seriedade. Eles parecem ser profission­ais até quando praticam um hobby. Eu, apesar de ainda ser um aluno, tento adotar uma atitude profission­al”, conta. O contato com mais de uma dezena de nacionalid­ades na Alta Escola de Música de Genebra também lhe rendeu uma outra lição: não há uma forma única de fazer música.

Por enquanto, os sons, as descoberta­s e a exigência de trabalho o ajudam a enfrentar outro desafio: o financeiro. Ele garante que conta cada centavo antes de gastar os recursos que coletou. Suas longas pernas ajudam a não ter de recorrer ao ônibus. “Tento fazer o dinheiro se multiplica­r. Um tem de virar dois”, brincou. Mas, com o inverno rigoroso dos Alpes, recebeu uma ordem de sua mãe: não sair sem um cachecol, algo que o menino que todos os domingos vai à igreja cumpre religiosam­ente.

A noiva ficou no Brasil. Mas, segundo ele, já está tirando um passaporte. “Saudade? Isso era algo que eu não sabia que ia pegar tão pesado”, completou o risonho garoto que saiu da periferia de uma cidade brasileira para um dos berços da elite da música erudita.

Conto cada centavo antes de gastar o que consegui em campanhas. Tento fazer o dinheiro se multiplica­r. Um tem de virar dois”

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JAMIL CHADE/ESTADÃO Weslei Felix Ajarda e o contrabaix­o. Franz Liszt foi professor na sua escola na Suíça

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