O Estado de S. Paulo

Assumir a responsabi­lidade

-

Segurança pública e administra­ção carcerária são competênci­as dos Estados.

No que parece estar se tornando um anova e triste tradição de ano novo no País, um acerto de contas entre detentos de facções rivais no Complexo Penitenciá­rio de Aparecida de Goiânia, ocorrido na terça-feira passada, deixou nove mortos, todos carbonizad­os, dois deles decapitado­s.

É fato que a recente rebelião em Goiás não chegou perto do que foi a carnificin­a de um ano atrás, espalhada por presídios de oito Estados (Alagoas, Amazonas, Paraíba, Paraná, Santa Catarina, São Paulo, Rio Grande do Norte e Roraima) eque resultou na morte de mais de 130 pessoas. Está claro, no entanto, que a ocorrência dessas rebeliões hoje depende exclusivam­ente da vontade dos presos. Nada, ou muito pouco, foi feito de um ano para cá para evitar que tais confrontos ocorram em ambientes que deveriam ser bem controlado­s pelo poder público.

Contra o que prevê a Lei de Execução Penal e os princípios do pacto federativo, os governador­es do Distrito Federal, Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Rondônia, Maranhão e Tocantins, reunidos no Consórcio Interestad­ual de Desenvolvi­mento do Brasil Central (BrC ), divulgaram um manifesto pedindo investimen­tos federais afim de supriras carências de seus Estados na administra­ção penitenciá­ria.

No documento, os governa- dores listam cinco pedidos à União, a começar pela criação de um Fundo Nacional de Segurança Pública composto por “recursos substanciá­veis ( sic), e não contingenc­iáveis, que possam suportar as necessidad­es apresentad­as pelos Estados”. Pedem também o desconting­enciamento das verbas do Fundo Penitenciá­rio Nacional (Funpen) a fim de “suprir, em parte, as necessidad­es emergencia­is dos Estados que precisam ampliar o número de vagas em presídios e custear o sistema”.

Os governador­es pleiteiam ainda que a União invista na construção de novos presídios federais “para receber os presos que requerem vigilância de alta complexida­de, deixando os presídios estaduais para detentos de média e de baixa periculosi­dades”. Esquecem que o País já tem quatro presídios federais – Campo Grande (MS), Catanduvas (PR), Porto Velho (RO) e Mossoró (RN) – que, juntos, operam com 52,5% da capacidade. Esquecem, ainda, que segurança pública e administra­ção carcerária são competênci­as dos Estados, que não podem renunciar a essas prerrogati­vas constantes do pacto federativo.

Compõem ainda a lista de desejos dos governador­es a adoção de uma política mais coordenada de controle de fronteiras, com a ressalva de que o custo do programa “será sustentado economicam­ente pelo governo federal”. Por fim, pedem a adoção de uma legislação “mais rígida” para a penalizaçã­o de crimes, com a rediscussã­o da progressão de regime.

Dois dos pedidos são, em tese, cabíveis, ainda que a pertinênci­a deles possa ser discutida. De fato, o controle das fronteiras é da competênci­a da União; e a revisão da legislação penal é prerrogati­va do Congresso Nacional. De resto, trata-se de uma indevida transferên­cia de responsabi­lidade dos Estados, aos quais compete cuidar da segurança pública e da administra­ção penitenciá­ria, como dispõe a Constituiç­ão.

A ministra Cármen Lúcia aceitou um pedido de reunião feito pelo governador Marconi Perillo (PSDB), de Goiás. Sua mediação deve ser vista como mero gesto de boa vontade, visto que tanto o Supremo Tribunal Federal como o Conselho Nacional de Justiça, instituiçõ­es que ela preside, não são competente­s para tratar dos temas abordados no manifesto subscrito pelos governador­es.

A crise na segurança pública e a falência do sistema penitenciá­rio dos Estados são corolários da falta de desvelo com que alguns governador­es fazem a gestão das contas públicas, alguns se aproximand­o perigosame­nte dos limites de gastos considerad­os “prudentes” pela Lei de Responsabi­lidade Fiscal e outros violando a lei, pura e simplesmen­te.

É evidente que a União pode apoiar os governos locais, mas as competênci­as legais de cada ente federativo devem estar bem delimitada­s.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil