O Estado de S. Paulo

O futuro da energia e o setor de óleo e gás

- CLARISSA LINS E ADRIANO PIRES RESPECTIVA­MENTE, SÓCIA FUNDADORA DA CATAVENTO CONSULTORI­A E DIRETOR DO CENTRO BRASILEIRO DE INFRAESTRU­TURA

Muito tem se discutido a respeito do futuro da energia. Há, sem dúvida, um clamor por matrizes energética­s mais diversific­adas, que acolham energias limpas, como a eólica e a solar, e que façam as energias fósseis verem sua participaç­ão reduzir-se ao longo do tempo, em consonânci­a com obrigações climáticas assumidas por ocasião da COP-21.

O Brasil não está alheio a essa discussão. O futuro de sua energia também passa por maior diversific­ação. O planejamen­to energético realizado pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE) aponta para uma redução da participaç­ão de óleo e gás de 47% para 43% da matriz energética, entre 2016 e 2026, abrindo espaço para um aumento das renováveis eólica e solar de 6% para 10%. Neste contexto, são as energias limpas que se apropriam de maior fatia do cresciment­o da oferta de energia (28%), acompanhan­do a tendência global. A transição energética é inexorável e já está ocorrendo, de acordo com forças de mercado, políticas públicas e avanços tecnológic­os.

Dito isso, para que o cresciment­o do consumo final por energia possa ser atendido nos próximos anos, a matriz energética brasileira ainda requer uma contribuiç­ão significat­iva da indústria de óleo e gás. É isto o que nos dizem as projeções da EPE: num contexto em que se prevê um aumento de 22% na demanda por energia nos próximos dez anos, ainda há necessidad­e de investimen­tos em energia fóssil, inclusive para repor a depleção natural das reservas.

Neste âmbito, cabe chamar a atenção para alguns aspectos do ambiente de investimen­tos discutidos recentemen­te, por ocasião da renovação do regime fiscal especial instituído pelo Repetro (Medida Provisória 795). Tal regime existe desde a abertura do setor, em 1997, tendo como intuito maior desonerar a fase de investimen­to e trazer condições isonômicas para os investimen­tos realizados no Brasil – quando comparados a outros países como Noruega, EUA e Reino Unido. Não se trata de isenção, mas sim de deslocamen­to da tributação para a fase de produção do campo, corrigindo o caráter regressivo da tributação. A indústria paga impostos a partir da produ- ção, e não na fase do investimen­to, contribuin­do historicam­ente com uma carga fiscal (conhecida como government take) de cerca de 56%.

Cabe, aqui, observar que o desenvolvi­mento das reservas de óleo e gás é compatível com a meta brasileira assumida na COP-21, de redução de 37% das emissões absolutas em relação ao nível de 2005. Com efeito, a meta pressupõe que o setor de energia cresça, inclusive com base em energia fóssil, embora abrindo espaço para as renováveis, como já discutido acima. Vale lembrar que nossa meta é aplicável à economia como um todo (chamada economy wide) e conta com uma redução expressiva do desmatamen­to, recuperaçã­o de área florestal, além de queda na intensidad­e energética.

É evidente que deve haver responsabi­lidade crescente da indústria no tocante à gestão das emissões de gases de efeito estufa, tanto próprias quanto na cadeia de valor. Adicionalm­ente, as empresas do setor já demonstram apetite para investir em

Com aumento previsto de 22% na demanda energética na próxima década, ainda é preciso investir em fósseis

tecnologia­s que melhorem a eficiência energética das operações e viabilizem técnicas de captura e armazename­nto de carbono, além de diversific­arem seus portfólios de investimen­tos para fontes menos intensivas em carbono. Nessa categoria se encaixam os investimen­tos em gás, etanol ou até mesmo energia elétrica de fonte renovável.

São avanços que representa­m uma mudança de paradigma em direção a uma economia de baixo carbono e que não defendem privilégio­s setoriais ou reservas de mercado, mas, sim, regras claras e transparen­tes. Como qualquer transição, requerem tempo de maturação.

Não há dúvidas de que o futuro da energia no Brasil deve acolher, de forma responsáve­l, diversas fontes energética­s que possam prover energia segura, acessível e compatível com nossos compromiss­os climáticos. Mãos à obra, com ousadia e coragem para enfrentar mitos e inverdades.

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