Caderno2
A NOITE DO PROTESTO NO CINE E TV
Festa do Globo de Ouro é marcada por discursos com tons políticos.
“Boa noite, senhoras e senhores que restaram”, diz Seth Meyers, o apresentador da 75.º cerimônia do Globo de Ouro, realizada no hotel Hilton, na celebrada Beverly Hills, na Califórnia, na madrugada deste domingo, 7, para segunda, 8. O palco brilha, as luzes estão acesas. Tudo como sempre. Mas Hollywood já não é mais a mesma. E, no monólogo de abertura do discurso do também ator e comediante, as cartas já estavam expostas na mesa. Desde 2017, o show biz passa por mudanças drásticas, a partir da força das mulheres, unidas, das acusações contra homens abusivos e poderosos desse mercado – o caso do superprodutor Harvey Weinstein é apenas o primeiro, mas, infelizmente, não foi único nem isolado.
Não é de se impressionar, quando, na primeira premiação de 2018, organizada pela Associação de Associação de Correspondentes Estrangeiros de Hollywood, sejam elas as protagonistas, mesmo quando um homem é o escolhido como apresentador. Logo de início, a primeira estatueta foi entregue para Nicole Kidman – era a sua quarta, aliás –, como melhor atriz em minissérie ou telefilme. Fundamental para os dias de hoje, Big Little Lies é um projeto incinerado pelo protagonismo feminino criado por Kidman, Reese Witherspoon, Shailene Woodley e Laura Dern. “Minha mãe foi uma defensora dos direitos das mulheres. Cada conquista minha é uma conquista dela também”, disse Nicole ao microfone. “Que possamos mudar o mundo e contar mais histórias como essa”, concluiu. Big Little Lies também foi lembrada na categoria de ator e atriz coadjuvantes, para Alexander Skarsgard e Laura Dern, e minissérie.
Laura, que integra o time de grandes atrizes a levar, como par para a festa, uma ativista política, foi também das mais incisivas no discurso ao microfone. “Muitos de nós foram ensinados a não batalhar”, disse ela, em favor das mulheres e das minorias. “Foi a cultura do silêncio a ser normalizada. Eu suplico que nós não só apoiemos os sobreviventes que têm coragem suficiente não só para falar a verdade mas para promover justiça. Mas que possamos proteger e empregar essas pessoas.” A atriz, por exemplo, tinha consigo no tapete vermelho Monica Ramirez, uma ativista política pelos direitos das trabalhadoras rurais latinas que vivem nos Estados Unidos.
É um início de um novo ciclo em Hollywood – e ainda bem. Nas categorias dedicadas às produções televisivas – lembrando que, no Globo de Ouro, são escolhidos os melhores da TV e do cinema –, elas dominaram. Co- mo esperado, The Handmaid’s Tale, a série baseada no romance O Conto da Aia, de Margaret Atwood, se impôs. Era inevitável que desbancasse os blockbusters The Crown, Game of Thrones e Stranger Things na disputa de melhor série dramática. É um tormento absoluto que vem da tela da TV (ou smartphones, afinal, é uma série produzida pelo serviço de streaming Hulu, ainda indisponível no Brasil) sobre um mundo que beira o nosso – mas é ainda mais catastrófico. Nele, os Estados Unidos são comandados por um governo ultrarreligioso e quase todas as mulheres são inférteis. Aquelas que ainda são capazes de ter filhos são praticamente escravizadas, usadas para a reprodução das castas mais altas – obviamente. O que dói é perceber como esse mundo fantasioso de Margaret Atwood se coloca tão próximo daquele que vivemos por aqui.
Elisabeth Moss, que já havia si- do um estouro com sua personagem forte e libertária em Mad Men – uma mulher à frente do seu tempo para a série de época –, recebeu seu segundo Globo da carreira com o protagonismo de The Handmaid’s Tale. A cerimônia do Emmy, realizada ainda no ano passado, já havia funcionado como um termômetro e era quase certa a vitória de Elisabeth. Ao microfone, a atriz fez questão de lembrar os homens que trabalhavam na série. “É desse tipo de homem que a indústria precisa”, disse. “Esse prêmio é para você, Margaret, que teve a força para falar sobre intolerância e justiça.”
Homenagem. Perfeita para o ano de 2018 foi a escolha de Oprah Winfrey como a homenageada na cerimônia com o prêmio Cecil B. DeMille. Mulher, negra. Vencedora. “Me inspiro em todas as mulheres que tiveram o poder e a força de compartilhar suas experiências pessoais”, disse a apresentadora. “Quero expressar minha gratidão a todas as mulheres que suportaram abusos e violências, porque elas, como minha mãe, tinham filhos para sustentar, contas para pagar. Mulheres cujos nomes nunca saberemos, pois são empregadas domésticas, garçonetes, trabalhadoras em empresas.”
“Me inspiro em todas as mulheres que tiveram o poder de partilhar suas vivências” Oprah Winfrey APRESENTADORA
“Muitos foram ensinados a não lutar. Que possamos protegê-las” Laura Dern ATRIZ DE ‘BIG LITTLE LIES’