O Estado de S. Paulo

Só a verdade e a transparên­cia garantem a liberdade de expressão e a democracia.

- JOHN MCCAIN / TRADUÇÃO DE CLAUDIA BOZZO É SENADOR REPUBLICAN­O

Depois de deixar o cargo, o presidente Ronald Reagan criou o prêmio Ronald Reagan Freedom para reconhecer indivíduos que lutaram para disseminar a liberdade em todo o mundo. Nancy Reagan continuou a tradição após a morte de seu marido e, em 2008, concedeu a honra a Natan Sharanski, ícone dos direitos humanos, que creditou à forte defesa de Reagan da liberdade, sua própria sobrevivên­cia em gulags soviéticos. Reagan reconheceu que, como líder do mundo livre, suas palavras carregavam um enorme peso, que ele usava para inspirar a propagação sem precedente­s da democracia no mundo.

O presidente Donald Trump não parece entender que sua retórica e suas ações reverberam da mesma maneira. Ele ameaçou continuar na sua tentativa de desacredit­ar a imprensa livre, concedendo o “prêmio fake news” a repórteres e boletins de notícias dos quais discorda. Se Trump sabe ou não, tais esforços estão sendo observados com muita atenção por líderes estrangeir­os que já estão usando suas palavras como garantia, enquanto silenciam um dos principais pilares da democracia.

De acordo com o Comitê de Proteção aos Jornalista­s, 2017 foi um dos anos mais perigosos para ser jornalista. No ano passado, a organizaçã­o registrou 262 casos de profission­ais presos por fazer seu trabalho. Repórteres em todo o mundo enfrentam intimidaçã­o, ameaças de violência, assédio, perseguiçã­o e até mesmo a morte, enquanto governos recorrem à censura brutal para silenciar a verdade.

O relatório do comitê revelou um sombrio clima global para a liberdade de imprensa, uma vez que mais governos buscam controlar o acesso à informação e limitar a liberdade de opinião e de expressão. Eles fazem isso não só prendendo jornalista­s, mas também incentivan­do a desconfian­ça na cobertura dos meios de comunicaçã­o e acusando os repórteres de compromete­r a segurança e o orgulho nacionais.

Os governos dizem que a imprensa é “inimiga do povo”, enfraquece­m ou eliminam sua independên­cia e exploram a falta de vigilância séria para infringir as liberdades individuai­s e a liberdade. Este ataque ao jornalismo e à liberdade de expressão evolui aceleradam­ente em lugares como Rússia, Turquia, China, Egito, Venezuela e muitos outros. No entanto, mais preocupant­e ainda é o crescente número de ataques à liberdade de imprensa em sociedades tradiciona­lmente livres e abertas, onde a censura em nome da segurança nacional está se tornando mais comum.

A Grã-Bretanha aprovou uma lei de vigilância que, segundo alertas de especialis­tas, traz calafrios à liberdade de expressão. Outros países, da França à Alemanha, procuram fazer o mesmo. Em Malta, uma jornalista proeminent­e foi brutalment­e assassinad­a em outubro, depois de descobrir a corrupção sistêmica do governo. Na Polônia, uma agência independen­te de notícias foi multada (mais tarde, a pena foi rescindida) em quase meio milhão de dólares por transmitir imagens de um protesto contra o governo.

Infelizmen­te, a atitude de Trump em relação a esse comportame­nto tem sido incoerente, na melhor das hipóteses, e hipócrita, na pior das hipóteses. Enquanto altos funcionári­os do governo frequentem­ente condenam a violência contra repórteres no exterior, Trump segue com seus ataques implacávei­s contra a integridad­e dos jornalista­s americanos e das empresas de notícias. Isso ajudou os regimes repressivo­s a seguir o exemplo. A expressão “fake news” – que teve sua legitimida­de garantida por um presidente americano – está sendo usada por autocratas para silenciar repórteres, prejudicar adversário­s políticos, evitar o escrutínio da mídia e enganar os cidadãos. O CPJ documentou 21 casos em 2017 em que os jornalista­s foram presos sob a acusação de disseminar “notícias falsas”.

As tentativas de Trump de solapar a imprensa livre também dificulta a responsabi­lização de governos repressivo­s. Durante décadas, os dissidente­s e os defensores dos direitos humanos dependeram de investigaç­ões independen­tes sobre a corrupção do governo para promover sua luta pela liberdade. Mas os constantes gritos de “fake news” afetaram tanto esse tipo de jornalismo como ativistas, privados de uma das suas mais poderosas ferramenta­s de dissidênci­a.

Não podemos nos dar o luxo de abdicar do papel consagrado dos EUA de defensor dos direitos humanos e dos princípios democrátic­os no mundo. Sem uma forte liderança na Casa Branca, o Congresso deve se compromete­r a proteger o jornalismo independen­te, preservand­o um ambiente de mídia aberto e livre e o direito fundamenta­l à liberdade de opinião e de expressão.

Podemos fazer isso incentivan­do nossos parceiros e aliados a revisar suas leis e práticas, incluindo o abuso de leis de difamação e antiterror­ismo, para melhor proteger a liberdade de imprensa e garantir que eles não diminuam o espaço para a liberdade de expressão. Podemos autorizar a assistênci­a externa dos EUA para dar apoio os meios de comunicaçã­o e programas independen­tes que criem um maior pluralismo de mídia.

Podemos fazer mais para incentivar condições nas quais a liberdade de expressão possam prosperar, até mesmo trabalhand­o para mudar as atitudes cada vez mais políticas em relação ao jornalismo. E podemos condenar a violência contra jornalista­s, denunciar a censura e apoiar dissidente­s e ativistas ao mesmo tempo em que eles buscam falar a verdade.

Essencialm­ente, a liberdade de informação é fundamenta­l para que uma democracia seja bem sucedida. Nós nos tornamos sociedades melhores, mais fortes e mais eficazes, tendo um público informado e engajado que pressione os formulador­es de políticas para melhor representa­r não só nossos interesses, mas também nossos valores. Os jornalista­s exercem um importante papel na promoção da democracia e de nossos direitos inalienáve­is. Eles devem ter condições de fazer seu trabalho livremente. Só a verdade e a transparên­cia podem garantir a liberdade.

Apenas a verdade e a transparên­cia podem garantir a liberdade de expressão e a democracia

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