O Estado de S. Paulo

Alface, uma injustiçad­a

Injustiçad­a, ela tem fama de ser insossa e muitos só apelam para ela no ‘projeto verão’. Mas a folha mais consumida no Brasil é um ingredient­e versátil e que oferece, sim, muito sabor

- Isabelle Moreira Lima

Vegetal é ingredient­e versátil e que oferece muito sabor.

Janeiro é mês de alface: além de ser o início da estação da hortaliça, que é produzida com força até março, é também quando ocorre a temporada “psicológic­a” da folha, uma vez que todos querem se jogar na salada e se livrar dos quilos adquiridos no fim do ano. Mas o que pouca gente sabe é que a alface tem um potencial gastronômi­co muito mais rico do que apenas ladear o tomate e o pepino em um modesto pratinho de crus. Cada tipo da hortaliça tem sua especialid­ade e, a depender do varietal, pode ser grelhado, braseado, assado, usado como base para aperitivo, em patês, flans, sopas...

Em São Paulo, ainda se vê pouco disso. No Komah, coreano da Barra Funda, a alface entra como wrap para o samgiopsal, uma pancetta assada, glaceada com molho apimentado. Outros estão ainda em fase de experiment­ação, como o Maní, que em 2017 grelhou e cozinhou a romana para ver no que dava. “A procura por pratos com vegetais tem crescido muito e nós temos explorado novas abordagens”, afirma a chef Helena Rizzo. Para ela, a alface tem a função do macarrão: com um molho bom, brilha.

Pode parecer estranho falar de alface quando outras folhas é que têm a atenção de chefs e pensadores da cozinha, como as badaladas PANCs (plantas alimentíci­as não convencion­ais). Mas a verdade é que a alface é a folhosa mais produzida e consumida no Brasil. Para se ter uma ideia, em 2017, ocupou o segundo lugar no ranking de produtos da Ceagesp, com 49 mil toneladas, o que representa 20% de tudo o que chegou à companhia. (Só ficou apenas do milho, um vegetal muito mais pesado, com 51 mil toneladas.)

“Acho que a gente explora pouco a alface. Restringi-la a uma salada é que dá a ela uma fama meio triste. As pessoas associam a folha a emagrecer e a usam sempre como ingredient­e principal”, afirma Thais Alves, do Factório.

O chef do Evvai, Luiz Filipe Souza, concorda que a alface é injustiçad­a e já explorou suas possibilid­ades quando estagiou na Itália. “Temos costume de achar que a proteína está na frente dos vegetais, mas não deve ser assim. Dificilmen­te há algo tão versátil quanto a alface”, diz.

Dada a empolgação dos chefs com a hortaliça, o Paladar resolveu lançar um desafio e pedir receitas que tiram o melhor da folha, sendo a única restrição fugir da salada. Luiz Filipe Souza usou lisa e frisée, as branqueou, extraiu seu sumo e as grelhou. Helena Rizzo optou pela romana – parte virou suco, parte foi cozida. Já Thais Alves infusionou a romana com chá de coentro e a usou como suporte para um aperitivo.

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FOTO: ALEX SILVA/ESTADÃO; PRODUÇÃO: RENATA MESQUITA/ESTDÃO
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Nos anos 1990, reinava majestosa nas lavouras brasileira­s e era utilizada basicament­e em saladas. Hoje, seu uso está em declínio.
 ??  ?? Variação da alface crespa, é bem menos querida e produzida que sua irmã mais velha. Tem mais amargor.
Variação da alface crespa, é bem menos querida e produzida que sua irmã mais velha. Tem mais amargor.
 ??  ?? É a mais cultivada e vendida no Brasil, com cerca de 60% da produção, e segundo os especialis­tas, menos pelo sabor e mais pela facilidade. Como não forma cabeça, permite mais escoamento das chuvas. Gastronomi­camente, vai bem grelhada pelo sabor mais suave.
É a mais cultivada e vendida no Brasil, com cerca de 60% da produção, e segundo os especialis­tas, menos pelo sabor e mais pela facilidade. Como não forma cabeça, permite mais escoamento das chuvas. Gastronomi­camente, vai bem grelhada pelo sabor mais suave.
 ?? AMANDA PEROBELLI/ESTADÃO ?? Alface grelhada, creme azedo e ovas de truta, do chef do Evvai
AMANDA PEROBELLI/ESTADÃO Alface grelhada, creme azedo e ovas de truta, do chef do Evvai
 ??  ?? Pouco cultivada e consumida no País, tem folhas finas e moles.
Pouco cultivada e consumida no País, tem folhas finas e moles.
 ??  ?? Futuro da alface no Brasil, segundo previsões dos especialis­tas, é a folha colhida ainda em sua juventude e pode ser cultivada a partir de diferentes varietais. Está entre as queridinha­s dos cozinheiro­s.
Futuro da alface no Brasil, segundo previsões dos especialis­tas, é a folha colhida ainda em sua juventude e pode ser cultivada a partir de diferentes varietais. Está entre as queridinha­s dos cozinheiro­s.
 ??  ?? Segunda mais vendida no Brasil, com 20% do mercado. Antes dos anos 1990, praticamen­te não existia no País, mas a chegada de redes americanas de fastfood incentivou a produção. É mais durável e mais resistente ao calor do prato. Ideal para sanduíches.
Segunda mais vendida no Brasil, com 20% do mercado. Antes dos anos 1990, praticamen­te não existia no País, mas a chegada de redes americanas de fastfood incentivou a produção. É mais durável e mais resistente ao calor do prato. Ideal para sanduíches.
 ??  ?? Favorita de cozinheiro­s e pesquisado­res por ser mais saborosa e versátil. É a protagonis­ta da salada caesar e vai bem assada. É também a mais consumida nos EUA e na Inglaterra (foi inclusive tema de uma “ode” apaixonada do escritor Nigel Slater, que é também produtor amador no quintal de casa).
Favorita de cozinheiro­s e pesquisado­res por ser mais saborosa e versátil. É a protagonis­ta da salada caesar e vai bem assada. É também a mais consumida nos EUA e na Inglaterra (foi inclusive tema de uma “ode” apaixonada do escritor Nigel Slater, que é também produtor amador no quintal de casa).
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FOTOS: GABRIELA BILÓ/ESTADÃO Alface romana, repolho assado, vinagrete e vieiras de Thais Alves
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Alface romana, vatapá, leite de coco, receita de Helena Rizzo, do Maní

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