O Estado de S. Paulo

Febre amarela é emergência

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Os números da doença não deixam dúvida sobre a gravidade da situação.

Adecisão da Organizaçã­o Mundial da Saúde (OMS) de considerar como área de risco da febre amarela o Estado de São Paulo – justamente o mais rico da Federação e em princípio o mais bem aparelhado para enfrentar a situação – é o resultado inevitável do agravament­o de um problema que não é de hoje e atingiu um estágio agudo, ante a incapacida­de das autoridade­s dos três níveis de poder de enfrentar esse desafio. O que se espera agora do poder público são corajosas medidas de emergência para evitar, custe o que custar, que a situação escape ao controle, com as consequênc­ias dramáticas facilmente imaginávei­s, pois se trata de doença de alta letalidade.

Os números não deixam dúvida sobre a gravidade da situação. Segundo a OMS, desde dezembro de 2016 o Brasil experiment­a um aumento da contaminaç­ão pelo vírus da febre amarela. Até junho de 2017, foram 777 casos desse tipo. Segundo dados do Ministério da Saúde, já foram registrada­s 20 mortes. Só no Estado de São Paulo – que desde julho passado teve o maior número de contaminaç­ões – foram 11 mortes. Isso explica a medida adotada pela OMS, que já havia declarado zonas de risco o norte do Rio de Janeiro, o sul da Bahia e todo o Espírito Santo.

A intenção da OMS – que recomenda vacinação aos estrangeir­os que viajem para essas regiões – é evitar que a doença se espalhe para outros Estados e para países do Cone Sul. São Paulo, outros Estados em situação semelhante e o governo federal, infelizmen­te, não demonstrar­am até agora a mesma percepção do perigo da febre amarela, apesar da escalada dos números, nem a capacidade de pronta reação da Organizaçã­o Mundial da Saúde.

O governo federal, segundo reportagem do Estado, evita falar em surto da doença e diz que a decisão da OMS foi tomada em acordo com o Brasil por um “excesso de zelo” e, por isso, não altera a sua estratégia para enfrentar o problema. Já o governador Geraldo Alckmin anunciou uma medida tímida, para dizer o mínimo: a antecipaçã­o da vacinação em São Paulo, de 3 de fevereiro para 29 deste mês. Segundo ele, 7 milhões de pessoas serão vacinadas em 54 cidades nessa fase e, até o fim do ano, toda a população.

É espantoso o alheamento da realidade dos governos federal e paulista. E nada indica que seja diferente nos outros Estados. O primeiro não quer mudar nada do que vinha fazendo e o segundo acredita que a maioria dos paulistas deve confiar na sorte até o fim do ano.

Isso está a léguas de distância do que espera a população – que tem razões de sobra para se preocupar – e do que exige a gravidade da situação. O que está na obrigação dos governos federal e dos Estados mais atingidos é se desdobrar para vacinar toda a população sob risco. Para isso, é preciso buscar vacina onde quer que elas existam e mobilizar o pessoal de saúde necessário para fazer imunização em massa. O custo de uma operação como essa – recursos para aquisição de vacina na quantidade necessária e coordenaçã­o dos serviços de saúde municipais, estaduais e federais – é alto.

Mas essa é claramente uma situação excepciona­l. O que está em jogo é a vida de milhões de brasileiro­s, ameaçada por uma doença gravíssima, cuja taxa de mortalidad­e é muito alta e que vem se espalhando com rapidez. Não se trata de semear o pânico, mas encarar os fatos como eles são, em toda sua crueza, e de tentar acordar as autoridade­s de seu sono irresponsá­vel.

Veio muito a propósito a divulgação no final do ano passado do estudo Febre Amarela no Brasil, feito pela Fundação Getúlio Vargas. Ele mostra que as principais causas do avanço da febre amarela foram mau planejamen­to das ações preventiva­s, falta de prioridade a ele pelas prefeitura­s das cidades mais afetadas, morosidade do processo decisório dos Estados, critérios equivocado­s no repasse de verbas e deficiênci­a na articulaçã­o entre municípios, Estados e União.

Ou seja, mais do que falta de recursos, falha de gestão. Em outras palavras, o poder público pode sim, desde que queira de verdade, enfrentar o problema.

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