O Estado de S. Paulo

Muito obrigado, cidade de São Paulo!

- ROBERTO MACEDO ECONOMISTA (UFMG, USP E HARVARD), É CONSULTOR ECONÔMICO E DE ENSINO SUPERIOR

No próximo dia 25 será o seu 464.º aniversári­o e eu a homenageio com este artigo. Devo-lhe muito. Não sou paulistano de origem, mas mais cidadão local que muitos deles. Aqui desde 1963, integrei-me à cidade, gosto muito dela e jamais cogitei de sair. Não planejei a minha vinda. Ela veio de circunstân­cias que, como disse o filósofo Ortega y Gasset, atuam em conjunto com a própria pessoa na definição do seu destino.

Tinha 19 anos e vim de Minas Gerais, onde a cultura local privilegia­va o Rio de Janeiro como “a cidade”, pouco se falando de São Paulo. A julgar pelo senador mineiro Aécio Neves, isso ainda acontece. Em Belo Horizonte, eu era bancário, calouro do curso de Economia da Universida­de Federal de Minas Gerais e aguardava o resultado de concurso do Banco do Brasil (BB), que havia prestado. Ele era o sonho de muitos mineiros. Exigia escolarida­de de nível médio e era considerad­o um bom emprego, com salário inicial razoável e a perspectiv­a de uma carreira com aposentado­ria bem acima do teto do INSS. Atraía-me também o regime de seis horas de trabalho diárias, pois queria continuar, e bem, os meus estudos.

A aprovação veio, mas nada me garantia a nomeação para uma cidade com faculdade de Economia. Fui ao Rio, onde ficava a sede do banco, e fui atendido por funcionári­o do setor de pessoal. Expus-lhe meu pleito e ele me disse que fosse ao Ministério da Educação, ali perto, buscar uma lista de cidades com faculdades de Economia. Fui lá e logo na portaria um funcionári­o abaixou-se por trás do balcão onde atendia, dele retirando um folheto que me entregou, dizendo: “Deve estar aí”.

Naquela época o ensino superior era muito limitado e constituíd­o principalm­ente de instituiçõ­es públicas. Vi que, entre outras informaçõe­s, o folheto de fato listava as faculdades de Economia por cidade. Voltei ao BB, entreguei a lista a quem me havia atendido e dele ouvi que iria ver o que poderia fazer por mim.

Cerca de uma semana depois recebi do BB um telegrama me designando para a agência Centro de São Paulo, na Avenida São João, 32. Fosse qualquer outra cidade, tendo faculdade de Economia me daria por satisfeito. Não tinha noção clara da natureza do curso nem do destino a que me levaria. Antes de vir comprei um guia de São Paulo, creio que de nome Guia Levy, acertei um lugar para morar e logo após consegui a transferên­cia para a USP.

Tive uma decepção logo ao chegar ao BB. O funcionári­o designado como meu supervisor era um feroz sindicalis­ta e, depois de ouvir que eu já fora bancário, me disse: “Então, é um bancário reincident­e. E chegou ao BB atrasado, porque hoje a única coisa que presta aqui é a aposentado­ria”.

Na USP a chegada também não foi boa, pois o prédio da faculdade era antigo e pequeno, na Rua Dr. Vila Nova, na Vila Buarque, onde hoje funciona um tribunal da Polícia Militar paulista. Vinha de um prédio enorme e novo em Belo Horizonte, cortesia do ex-presidente Juscelino Kubitschek.

Mas logo vi que na USP havia professore­s muito bons. E também me agradou a descendênc­ia mais cosmopolit­a dos novos colegas. Em Minas, quase todos eram descendent­es de portuguese­s. Aqui, vários tinham sobrenomes italianos, alemães e japoneses, entre outros. Um grupo de três colegas, cada um de uma dessas origens, que se sentavam lado a lado, era chamado de “Eixo” da classe – por causa da designação dada à associação desses três países na 2.ª Guerra.

Resolvi tomar o BB como um estágio, dediquei-me aos estudos e quando me formei o professor Delfim Netto se havia tornado ministro da Fazenda, levando vários professore­s com ele. E a faculdade programava-se para triplicar o número de vagas, para 450. Como outros colegas, tornei-me professor dela, pois a demanda era alta. Ao mesmo tempo, lá surgiu um programa de mestrado, que abria a perspectiv­a de um doutorado nos EUA, por conta de seu governo. Paralelame­nte, a economia paulista cresceu mais que a mineira, gerando mais recursos para a USP, e a nacional passou a ver seu PIB aumentando próximo de 10% ao ano. Não essa quirera de 1% esperada para o ano passado e muito menos as quedas de 3,5% nos dois anos precedente­s. Naquela época, os empregos corriam atrás das pessoas, principalm­ente em São Paulo. Hoje se dá o contrário, e não são encontrado­s.

Em retrospect­o, na loteria das circunstân­cias da vida, a minha vinda para São Paulo, decidida por um funcionári­o do BB, foi um enorme prêmio, pelo que esta cidade me proporcion­ou. É por isso que sou tão grato a ela. Noutra não teria as mesmas oportunida­des aqui encontrada­s. Ela tem seus problemas, mas vou ficando por aqui. No momento, por exemplo, queixo-me da péssima cobertura asfáltica de várias ruas perto de onde moro. Uso um carro do tipo jipe, que acabou se revelando mais adequado à cidade, pois a maioria das estradas por onde trafego estão em ótimas condições. Antigament­e era o contrário.

E continuo tendo sorte em São Paulo. Quando estudante, minha mobilidade urbana era ótima, pois transitava a pé da residência para o trabalho, deste para a faculdade e desta de volta à residência. No início da carreira de professor, ainda eliminei o trajeto para o BB. Mas ao voltar dos EUA, em 1973, nossa faculdade havia mudado para a Cidade Universitá­ria, no Butantã. E com o passar dos anos ficou cada vez mais difícil ir até lá. Com a aposentado­ria na USP passei a frequentá-la só ocasionalm­ente, e também porque minhas novas atividades ficaram entre a Avenida Paulista e o centro da cidade.

Mas neste início de ano será aberta a estação Mackenzie-Higienópol­is, da Linha 4 do Metrô, perto de onde moro e que me levará ao Butantã, abrindo caminho para minha reintegraç­ão à USP como docente voluntário. Assim, agradeço também ao governo do Estado pela estação. E já lhe devo muito pela USP.

Noutra cidade eu não teria as mesmas oportunida­des que encontrei aqui

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