O Estado de S. Paulo

Bolsonaro falta a 70% das sessões de comissão militar.

Colegiado na Câmara é responsáve­l por discutir bandeiras defendidas pelo presidenci­ável, como processos militares e relações diplomátic­as

- Adriana Ferraz Gilberto Amendola

Em ano pré-eleitoral, o deputado federal Jair Bolsonaro (PSC-RJ) faltou a 70% das reuniões e audiências públicas realizadas pela Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional, da qual foi membro titular em 2017. O grupo é o responsáve­l na Câmara dos Deputados por discutir parte das bandeiras defendidas pelo presidenci­ável, como política externa, direito e processos militares e relações diplomátic­as.

Levantamen­to feito pelo Estado mostra que Bolsonaro faltou até mesmo no dia em que o único projeto de lei de sua autoria em tramitação na comissão estava na pauta para ser votado. O texto, que estipula novas regras de combate ao terrorismo no Brasil, acabou retirado da pauta. Ao todo, ele se ausentou a 36 encontros e participou de apenas 15. E justificou sua ausência em somente dois dias.

Com filiação prometida ao PSL para disputar a Presidênci­a da República em outubro, Bolsonaro já cumpre uma agenda

intensa de pré-campanha, baseada em viagens e encontros com apoiadores em todo o País. De acordo com publicaçõe­s feitas pelo próprio parlamenta­r e sua equipe, essas viagens podem explicar a ausência em ao menos oito encontros oficiais da comissão, quando o deputado já estava em viagem ou preparava

sua ida gravando vídeos para convocar simpatizan­tes pelas redes sociais.

No dia 13 de dezembro, por exemplo, véspera da viagem de Bolsonaro às cidades de Manaus e Manacapuru, no Amazonas, os deputados presentes na reunião da comissão aprovaram relatório que propõe alterações em artigos dos Códigos Penal e Militar, um dos temas caros ao presidenci­ável. Ausente no encontro, o parlamenta­r gravou um vídeo relatando sua agenda de viagem naquele dia, no qual afirmou que a “Amazônia estava acima de tudo”.

Reality. No dia seguinte, em 14 de dezembro, a comissão se reuniu novamente, mais uma vez sem a participaç­ão de Bolsonaro, que produzia um verdadeiro reality show online a partir de sua visita ao Estado – tirou fotos no Aeroporto de Manaus com apoiadores aos gritos de “mito”, discursou em caminhão de som enrolado na bandeira amazonense, participou de um bate-papo sobre as potenciali­dades da Amazônia ao lado de autoridade­s locais e ainda compareceu à formatura de estudantes de um colégio militar.

Por estar fora de Brasília ou mesmo cumprindo outros compromiss­os na Câmara dos Deputados, Bolsonaro perdeu a chance ainda de se manifestar sobre duas moções aprovadas por seus colegas da comissão: uma de repúdio ao governo venezuelan­o por descumprim­ento da ordem democrátic­a e outra de louvor pelo trabalho desenvolvi­do pelos soldados brasileiro­s durante a missão de paz no Haiti. Ambos os temas são de seu interesse, tanto as críticas à política de Nicolás Maduro como a valorizaçã­o dos militares.

Outra votação perdida pelo parlamenta­r envolve o direito de militares de usufruírem de uma licença-paternidad­e estendida de 20 dias. O projeto que garante esse direito foi aprovado no dia 18 de outubro, mês em que Bolsonaro viajou aos Estados Unidos e só participou de um de sete encontros (veja quadro com o calendário ao lado).

Debate. “As ausências de Bolsonaro demonstram a dificuldad­e que o deputado tem com o debate político e com a troca de ideias. Mesmo naqueles temas que são suas bandeiras tradiciona­is, ele prefere se abster do debate. Bolsonaro prefere discursar em ambientes mais seguros, para os seus apoiadores ou por meio das redes sociais. Isso, talvez, denote dificuldad­e de articulaçã­o ou de substância intelectua­l”, afirma o cientista político Rodrigo Prando, do Mackenzie.

Para a presidente da comissão, deputada Bruna Furlan (PSDB-SP), as faltas de Bolsonaro e de outros parlamenta­res ocorrem por causa do acúmulo de funções assumidas. É comum, segundo a tucana, um deputado participar de mais de uma comissão permanente como titular ou suplente. Em 2017, Bolsonaro participou como titular da CPI da Funai e como suplente da Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado – nesta última, o presidenci­ável foi a nove reuniões.

Na análise do também cientista político Humberto Dantas, da FGV, a “participaç­ão modesta do deputado” mostra que ele se transformo­u em um agente de interesses simbólicos do que efetivos. “Essa seria a comissão que mais dialoga com o mandato dele. Era o local onde ele poderia brilhar naturalmen­te. Portanto, é de se estranhar essa aparente falta de interesse.”

Procurado pela reportagem do Estado, Bolsonaro não se manifestou sobre suas ausências na comissão.

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HÉLVIO ROMERO/ESTADÃO-27/11/2017 Pauta. Bolsonaro faltou até mesmo quando era discutido único projeto de lei de sua autoria

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