O Estado de S. Paulo

A saudade como sentimento nacional

Filme de Paulo Caldas ouve pensadores e artistas, usando linguagem poética para estudar o suposto apego ao passado dos povos lusófonos

- Luiz Zanin Oricchio

Sempre se disse que a palavra “saudade” era privativa da língua portuguesa, nosso tesouro oculto. Não só a palavra, mas o conceito mesmo. O cineasta Paulo Caldas resolveu tirar a limpo esse mito nacional. Claro, o filme só poderia se chamar Saudade e tenta aclarar o que compõe esse sentimento, entrevista­ndo uma série pessoas do universo lusobrasil­eiro. As quase 300 horas de entrevista­s gravadas redundam no formato híbrido de longa-metragem para cinema e série para o Canal Arte 1, que entra como coprodutor.

Escritores, poetas, cineastas, filólogos e filósofos dão seus pitacos sobre essa indefiníve­l sensação de banzo que nos caracteriz­a (mas será que é assim mesmo?). A saudade remete a algo perdido, por isso se confunde com a nostalgia, pois esta olha sempre para o passado. O saudosista também não é muito benquisto nos dias que correm. A palavra refere-se àquela pessoa para a qual o melhor da vida já passou, já foi, já era e afundase nas brumas do antanho.

Mas, para nossa surpresa, nem sempre a palavra desperta conotações negativas. Para o historiado­r Durval Muniz, a saudade é algo ontológico, o nosso suspiro diante do Paraíso perdido. O escritor Braulio Tavares entende que é impossível para uma pessoa situar-se na vida sem, em alguma medida, remeter-se ao que já foi; quer dizer, ao que já não é mais, mas foi um dia para que ela seja quem é no presente. Portanto, conclui, alguém sem passado seria como uma casa sem alicerces. Frágil, prestes a desabar diante de qualquer intempérie.

Desse modo, a saudade não se comporia apenas do seu negativo – o luto pelo que não volta mais – mas pelo seu positivo, um esteio para enfrentar o desconheci­do e seus desafios. Não é apenas paralisant­e, como temem os que só creem nas promessas do futuro, mas antídoto para o eterno presente, a alienante mitologia do nosso tempo. Sem passado e sem futuro, vivemos no eterno hoje das redes sociais. Um pouco de saudade não faz mal a ninguém, como nos lembra esse belo filme.

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BARBARA CUNHA Ruy Guerra. Um dos entrevista­dos

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